#CADÊ MEU CHINELO?

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

[bolo'bolo] YALU


   Os bolos tendem a produzir sua comida tão perto quanto possível de suas construções centrais, de modo a evitar transportes e viagens longas, o que naturalmente significa perda de tempo e de energia. Por motivos semelhantes haverá muito menos importação de petróleo, forragem e fertilizantes. Métodos apropriados de cultivo, uso cuidadoso do solo, rodízios e combinação de diferentes plantios são necessários sob essas condições. O abandono da agricultura industrializada de larga escala não resulta necessariamente na redução da produção, porque pode ser compensada por métodos mais intensivos (já que existe uma força de trabalho agrícola maior) e pela preferência por calorias e proteínas vegetais. Milho, raízes, soja e outros feijões podem garantir combinações para uma alimentação segura*. A produção animal (que consome imensas quantidades exatamente das colheitas mencionadas acima) deverá ser reduzida e descentralizada, bem como, em grau menor, a produção de laticínios. Haverá bastante carne, mas porcos, galinhas, coelhos, ovelhas e cabras serão encontrados em volta dos bolos, nos quintais, correndo pelas antigas ruas. Assim, sobras de qualquer tipo podem ser usadas de uma forma integrada par produzir carne.

    Será que a comida do bolo’bolo vai ser mais monótona? Decairá a gastronomia, já que a importação exótica e produção em massa de bifes, galetos, filés e picanhas será drasticamente reduzida? Será a Idade das Trevas dos gourmets? É verdade que se pode encontrar uma grande variedade de comidas em supermercados dos Trabalhadores A – cocos no Alaska, mangas em Zurich, vegetais no inverno, todos os tipos de frutas em lata e de carnes. Mas ao mesmo tempo a comida nativa é freqüentemente preterida, apesar de sua qualidade e frescor. Onde a variedade de comida local é pouca (por motivos de baixa produção, ou porque seu cultivo é intensivo demais sob certas condições econômicas), há importações onerosas de produtos de baixa qualidade, sem gosto, defeituosos, pálidos e aguados, vindo de áreas onde a mão-de-obra é barata. É uma falsa variedade, e só por esta razão a novíssima alta cozinha francesa se tornou a cuisine du marché, ou seja, usa comida fresca e produzida no local. Produção massiva de comida e distribuição internacional não são apenas nonsense e razão da permanente crise de fome mundial: também não nos dão uma boa comida.

    A verdadeira gastronomia e a qualidade da nutrição não dependem de importações exóticas e da disponibilidade de carnes. Cultivos e criações caprichados, tempo, refinamento e inventividade são muito mais importantes. O lar da família nuclear não se presta a esses requisitos: o horário das refeições é muito curto, e o equipamento muito pobre (mesmo sendo altamente mecanizado). Força a dona-de-casa ou outros membros da família a cozinha de maneira simples e rápida. Em grandes kana ou cozinhas de bolos, pode haver um excelente restaurante (grátis) em cada bloco, e ao mesmo tempo uma redução de trabalho, energia e desperdício. A ineficiência e a baixa qualidade culinária das pequenas casas é justamente a contrapartida da agroindustrialização.

    Em muitos casos, cozinhar é um elemento essencial na identidade cultural de um bolo, e nesse contexto não é realmente trabalho, mas parte das paixões artísticas produtivas de seus membros. É exatamente a identidade cultural (nima) que traz mais variedade à cozinha, não o valor dos ingredientes. É por isso que muitos pratos simples (e freqüentemente sem carne) de um país ou de uma região são especialidades em outro lugar. Spaghetti, pizza, moussaka, chili, tortillas, tacos, feijoada, nasi-goreng, curry, cassoulet, sauerkaut, goulash pilaf, borsht, couscous, paella, etc. são pratos populares relativamente baratos em seus países de origem.

    A possível variedade de identidades culturais nos bolos de uma determinada cidade produz a mesma variedade de cozinhas. Numa cidade há tantos bolo-restaurantes típicos quantos bolos existirem, e o acesso a todos os tipos de comidas étnicas ou outras será muito mais fácil. Hospitalidade e outras formas de troca permitem um intenso intercâmbio de comensais e cozinheiros entre os bolos. Não há razão para a qualidade desses bolo-restaurantes (eles podem ter diferentes formas e locais) não ser mais alta que a dos restaurantes de hoje, particularmente devido à redução do stress: não haverá necessidade de calcular custos, nem correrias, nem horários de almoço ou de jantar (a hora das refeições vai depender sempre da bagagem cultural de cada bolo). No geral haverá mais tempo para a produção e preparação de comida, já que isso faz parte da autodefinição de um bolo. Não existirão multinacionais de alimentos, nem supermercados, nem garçons nervosos, donas-de-casa estafadas, cozinheiros em turnos eternos...

    Uma vez que o frescor dos ingredientes é crucial para a boa cozinha, as hortas perto do bolo são muito práticas (na zona 1). Os cozinheiros podem plantar muitos ingredientes pertinho da porta da cozinha, ou conseguí-los em cinco minutos de uma horta próxima. Teremos muito tempo e espaço para esses cultivos em pequena escala: ruas convertidas ou estreitadas, garagens de automóveis, tetos de laje, terraços, canteiros e parques puramente decorativos, áreas de fábricas, pátios, porões, viadutos, lotes vazios, todos estarão cheios de terra para hortas, galinheiros, ranários, lagos de peixes e patos, tocas de coelhos, morangos, culturas de cogumelos, pombais, colmeias (a melhor qualidade do ar vai ajudar muito), árvores frutíferas, plantações de cannabis, vinhas, estufas, culturas de algas, etc. Os ibus vão estar rodeados por todos os tipos de produção molecular de comida. (E é claro que cachorros também são comestíveis.)

    Os ibus terão tempo bastante para coletar comida em bosques e outras áreas não cultivadas: cogumelos, amoras, camarões de água doce, mexilhões, pescados, lagostas, caracóis, castanhas, aspargos selvagens, insetos de todos os tipos, caça miúda, urtigas e outras plantas selvagens, nozes, faias, caroços de jaca, cocos de todos os tipos, bardana, bolotas de carvalho, etc. Podem servir para fazer pratos surpreendentes. Embora a dieta básica possa ser (dependendo da identidade cultural do bolo) monótona (milho, inhame, feijão, couve) pode variar com inumeráveis molhos e pratos complementares. (Mesmo que a gente assuma no momento uma puramente ecológica atitude do menor esforço.)

    Outra fonte de enriquecimento da bolo-cozinha é trazida pelos ibus viajores, hóspedes ou nômades. Eles introduzem temperos novos, molhos, ingredientes e receitas de países distantes. Como esses tipos de produtos exóticos só são necessários em pequenas quantidades, não há problema de transporte e eles estarão disponíveis em maior variedade do que hoje. Outra possibilidade para o ibu conhecer cozinhas interessantes é viajar; já que recebe hospitalidade onde quer que vá, pode provar os pratos originais de graça. Em vez de transportar produtos exóticos e especialidades em massa, com a conseqüente deterioração do ambiente, é mais razoável fazer de vez em quando uma volta ao mundo gastronômica. Como o ibu tem todo o tempo que quiser, o próprio mundo se tornou um supermercado real.

    Conservar, fazer picles, engarrafar, desidratar, defumar, curar e congelar (que são energeticamente razoáveis para uma kana inteiro ou um bolo) podem contribuir para a variedade da comida durante o ano inteiro. As despensas dos bolos vão ser muito mais interessantes do que as nossas geladeiras de hoje. Os diferentes tipos de vinho, cerveja, licor, uísque, queijo, tabaco, salsichas e drogas vão se desenvolver como especialidades de certos bolos e serão trocados entre eles. (Como era na Idade Média, quando cada monastério tinha sua especialidade.) O poder dos prazeres que foram destruídos e nivelados pela produção de massa pode ser restaurado, e redes de relações pessoais entre peritos vão se espalhar pelo planeta inteiro.



*Soja, milho, painço e tubérculos podem garantir a ração mínima, mas sozinhos não representam uma alimentação saudável. Têm que ser combinados com carne, vegetais, ovos, gorduras, óleos, queijo, ervas e temperos. A soja contém 33% mais proteína por unidade de superfície do que qualquer outra colheita. Combinada com arroz, milho ou trigo, seu aporte protéico aumenta de 13 a 42%. Ela pode ser usada para produzir uma ampla variedade de alimentos: leite de soja, queijo (tofu), tofu desidratado, okara (fibras), molho de soja (shoyu), massa de soja (misso), farinha de soja, especialidades regionais como tempeh, yuba, nato e um sem-número de outras. Na África, o feijão niebe é quase tão prático quanto o feijão de soja, (Albert Tevoedjre, La Pauvreté-Richesse des Peuples, Les Editions Ouvrières, Paris, 1978, p. 85.) Um dos problemas iniciais quanto à auto-suficiência baseada nessas colheitas será reintroduzir o material genético original (sementes) que foi substituído pelos produtos industriais, geralmente instáveis e vulneráveis.

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