#CADÊ MEU CHINELO?

terça-feira, 30 de abril de 2013

[jota péguiz] E AÍ, BELEZA?


[agência pirata] O MITO DO CAPITALISMO "NATURAL"

:: txt :: Rafael Azzi ::

O modelo capitalista de sociedade premia e estimula o comportamento individualista, utilitário e egoísta. Diversos pensadores, como o economista Alan Greespan, acreditam que tal comportamento apenas reflete a verdadeira essência da natureza humana e, portanto, não há muito a fazer a respeito. Entretanto, essa visão do ser humano foi moldada ao longo da história e, na verdade, os estudos de hoje discordam da noção de que somos  essencialmente individualistas e agressivos.

Alguns filósofos, como Thomas Hobbes, John Locke e Adam Smith, contribuíram para a consolidação da ideia de que o ser humano é, por natureza, racional, autônomo, utilitário e voltado principalmente para a satisfação egoísta de seus próprios interesses. As principais instituições políticas e econômicas que hoje moldam a sociedade foram fundadas a partir desses preceitos sobre a natureza humana.

O modelo social adotado pelos princípios capitalistas põe em cena uma perspectiva de Estado-Nação que tem como objetivo estimular as forças do livre mercado e proteger a propriedade privada. O homem é então considerado um indivíduo autônomo e racional que, ao optar por viver em sociedade, acredita que esta é a melhor forma de proteger seus próprios interesses, evitando assim um estado de selvageria natural representado pela expressão hobbesiana “guerra de todos contra todos”.

Da mesma forma que os indivíduos proclamam sua autossuficiência, os Estados são vistos na política internacional como autônomos na busca do próprio interesse. Sob tal perspectiva, as nações encontram-se em eterna batalha em busca de poder e de bens materiais. A narrativa histórica é construída a partir de uma constante dicotomia estabelecida entre Estados e indivíduos isolados, público e privado, termos ocasionalmente unidos apenas por razões de utilidade ou de lucro.

O mito do homem que sobrevive como indivíduo é difundido na literatura universal em heróis como Robinson Crusoé: o homem que consegue, sozinho, através do uso da razão, utilizar a natureza a seu favor e sobrevive sem o auxílio de outras pessoas. Porém, o que não está dito é que Crusoé é um homem adulto, que cresceu em uma sociedade complexa, na qual dependia diretamente de outras pessoas. Além disso, ele apenas aprendeu os conhecimentos necessários para a sua sobrevivência na ilha deserta através do contato com experiências de outras pessoas e outras gerações.

Essa visão filosófica, que se transformou em política, foi naturalizada por um conjunto de teorias científicas. O darwinismo social é uma interpretação estreita da teoria de Darwin aplicada à sociedade humana. Tal teoria enfatiza a ideia de que a evolução se relaciona à competição e à sobrevivência do mais forte, pondo-a em prática na sociedade humana. Dessa forma, características como individualismo, agressividade e competição seriam os agentes naturais da evolução. Argumenta-se que a competição pela sobrevivência fundamenta a evolução humana, a fim de justificar a sociedade capitalista como o modelo natural a ser adotado.

Atualmente, tal noção é considerada bastante reducionista. Já se observou, por exemplo, que não apenas a competição mas também a cooperação entre os indivíduos são fatores de extrema importância na sobrevivência de espécies sociais. Recentes estudos de sociobiologia vêm comprovando a hipótese de que o ser humano é, na verdade, um dos animais mais sociais que existe. Não é difícil comprovar esse fato: vivemos em grupos cada vez maiores, em sociedades cada vez mais complexas com indivíduos interdependentes. Temos a necessidade constante de nos sentir conectados a outras pessoas e de pertencer a um grupo, em um sentimento que remonta às ideias ancestrais de coletividade e de comunidade.

Uma descoberta biológica recente vem corroborar essa ideia. Os neurônios-espelhos fazem parte de um importante sistema cerebral que atua diretamente em nossa conexão com outros indivíduos. Esse conjunto de neurônios é mobilizado quando vemos outra pessoa fazendo algo. Pesquisadores constataram que, quando uma pessoa observa outra realizando uma ação, no cérebro do observador são estimuladas as mesmas áreas que normalmente regem a ação observada. Portanto, ao que tudo indica, nossa percepção visual inicia uma espécie de simulação ou duplicação interna dos atos de outros.

Os neurônios-espelhos são a base do aprendizado e da aquisição da linguagem humana. Mais do que isso, eles tornam fluida a fronteira entre nós e os outros; são a origem da empatia, que é a capacidade de nos colocar no lugar de outra pessoa. Pode-se dizer que, ao observar alguém sorrindo, imediatamente nos sentimos impelidos a sorrir também. Quando percebemos alguém que está em uma situação que causa dor, a reação natural é partilhar o sentimento de dor alheia.

A capacidade empática e a necessidade de fazer parte de um grupo formam as bases, por assim dizer, das religiões organizadas e do sentimento de nacionalismo. O problema é que, ao mesmo tempo em que fomentam a empatia coletiva, estas instituições limitam o sentimento empático pelos indivíduos que não fazem parte do mesmo grupo. Assim, o indivíduo que faz parte de outra ordem — seja ela uma nação, uma religião, uma etnia ou uma classe social — é considerado diferente, distante e, eventualmente, intolerável. Tais rótulos limitam a capacidade empática e impedem de ver o outro como um semelhante na partilha de sentimentos, desejos e angústias intrínsecos à natureza humana.

Um exemplo de que a empatia é natural ao ser humano é a forma como ela ocorre de maneira livre e instintiva nas crianças. Quando uma criança observa outra pessoa em situação desfavorável, como a mendicância e a falta de moradia, a primeira reação é o questionamento. Invariavelmente, as respostas que fazem uso de rótulos auxiliam a explicar a situação: “é apenas um mendigo” ou “é só um menino de rua”. Com frases assim, está-se afirmando que o outro não é alguém como nós; trata-se apenas de alguém diferente, em uma realidade distante da nossa. Portanto, ao estimular constantemente o egoísmo e o interesse individualista, a sociedade baseada no modelo atual desestimula a capacidade empática existente em cada um.

Dessa forma, pode-se afirmar que o desafio do nosso tempo é desnaturalizar o egoísmo social que foi imposto e recuperar nossa empatia natural, não apenas em relação aos grupos de pertencimento, mas sobretudo ampliada em relação a toda nossa espécie.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

[overmundo] PRODUÇÃO REGIONAL!

:: txt :: André Silva ::

Pelotas vem ao longo dos anos crescendo e muito, positivamente, dentro do cenário cultural musical e isso se deve ao fato não só da produção de artistas que aqui nascem e produzem, quanto aos artistas da região que fazem de Pelotas uma segunda casa. Jaguarão, São Lourenço do Sul, Canguçu, Rio Grande... A música vem tendo um diálogo muito forte nestas regiões e o reflexo disso tem-se mostrado aqui e daqui, para o resto do estado gaúcho.

Não só as bandas, quanto qualquer artista no geral, tem um pensamento igualitário a qualquer outra pessoa que trabalha no meio, quando se trata de projeção: O trabalho produzido, os ensaios realizados, os shows armados e então, o público conquistado. A vantagem disso tudo é mostrado em um tempo que pudemos chamar de cíclico, pois para almejar uma projeção positiva, o sucesso de um artista precisa passar por uma linha de tempo que, em espiral, leva o indivíduo a ter altos e baixos, mas a vida segue, o trabalho se mantém e a produção se fortalece.

Porém, nem o mais sozinho artista consegue se projetar, sozinho. A união dos músicos, e a ajuda dos parceiros do meio cultural fortalecem as cenas fazendo com que juntos calculem um trabalho a ser realizado dentro do seu âmbito. Podemos com isso salientar que a união entre as cidades da Região Sul do nosso Estado fortalecem mais do que a cena local, quanto regional almejando um bem maior nacionalmente, com um planejamento seguro e sólido a cerca da realidade imposta.

Obviamente as produções não ficam somente no setor musical. A indústria artística tem um elo gigantesco que proporciona atrair mais pessoas para o seu meio, transmitindo conhecimento e arte seja ela qual for, para qualquer pessoa ou indivíduo que compõe esse meio. A produção no seu geral, alcança pilares que podem ser avaliados em qualquer tipo de produção, como dita antes e é disso que não só a região sul citada precisa, e sim qualquer regional do Brasil, ou qualquer produtor necessita: O fortalecimento não se faz individualmente e a cultura se faz para todos.

O intuito maior é ser o ser incentivador de uma ação, e não apenas um visionário sem razão, um crítico sem conhecimento. A perspectiva gerada deve-se ao fato do comprometimento das partes envolvidas, e o crescimento de uma região depende de todos, não só de um para um e sim de um grupo para um todo. Um coletivo de ideias

domingo, 28 de abril de 2013

[noé leva a dor] CONTRA O TRABALHO


:: txt :: Paul Lafargue ::

Uma estranha loucura se apossou dos trabalhadores das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho, levado até ao esgotamento das forças vitais do indivíduo.

Em vez de reagir contra esta aberração mental, os padres, os economistas, os moralistas sacrossantificaram o trabalho. Homens cegos e limitados, quiseram ser mais sábios do que o seu Deus; homens fracos e desprezíveis, quiseram reabilitar aquilo que o seu Deus amaldiçoara. Eu, que confesso não ser cristão, economista e moralista, recuso admitir os seus juízos como os do seu Deus; recuso admitir os sermões da sua moral religiosa, econômica, livre-pensadora, face às terríveis conseqüências do trabalho na sociedade capitalista.

O trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica. Os filósofos da antigüidade ensinavam o desprezo pelo trabalho, essa degradação do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse presente dos Deuses.

Os trabalhadores, a grande classe que engloba todos os produtores das nações civilizadas, a classe que, ao emancipar-se, emancipará a humanidade do trabalho servil e fará do animal humano um ser livre, ao trair seus instintos e esquecer-se da sua missão histórica, deixou-se perverter pelo dogma do trabalho. Rude e terrível foi a sua punição. Todas as misérias individuais e sociais valeram a sua paixão pelo trabalho.

sábado, 27 de abril de 2013

[pontodevista] HIPÓCRITAS DO MUNDO, UNI-VOS!

:: txt :: Wladymir Ungaretti ::


Estou convencido de que continuamos cometendo alguns erros. A exigência de que os militantes radicais – falo dos que vão à raiz – sejam livres da hipocrisia, livres de qualquer conivência com o sistema, têm efeitos idênticos da exigência cristã para que nenhum de nós cometa algum pecado. Acaba criando uma enorme frustração. Ao invés desse papinho moralista (udenista) de que devemos ficar com nossas mãos impecavelmente limpas, devemos aproveitar para tornar nossas hipocrisias em uma atividade positiva. Mesmo quando radicalmente rejeitamos e nos desconectamos do sistema, vivendo de roubos e transgressões, ainda assim estamos dentro do status. Lutar e sempre lutar dentro do sistema. O fanatismo é a marca dos monoteísmos. Nossa forma de vida, ocidental e cristã deixa marcas profundas. Isso não significa de jeito nenhum, que resistir é inútil. Muito pelo contrário. Isso significa que a inocência é um mito. Ninguém que está fazendo política é inocente. Não tem como evitar as atitudes “pecaminosas”. O capitalismo é sempre marcado por relações de corrupção, sempre. Começa pela apropriação da força de trabalho. Essa visão pode nos salvar de sermos imobilizados pelo medo da hipocrisia e pela vergonha. Nesses tempos em que é impossível evitar ser parte do sistema que combatemos, somente a hipocrisia aberta, escancarada é uma atitude verdadeiramente revolucionária, diria subversiva, pois só ela fala a verdade de nossas almas, e só ela pode mostrar como é difícil e complexa nossa vida. E só com este entendimento é que teremos motivos suficientes para continuarmos lutando, bem longe do sentimento cristão de culpa.  Hipocritamente, a direita transita pela hipocrisia sem o sentimento de estar cometendo um pecado. Sem o sentimento de culpa. Já a esquerda, com raríssimas excessões, vive a “vergonha” cristã de suas práticas hipócritas. E, assim, fica esse “bebebebe” de quem foi mais ou menos eficiente em suas respectivas práticas hipócritas. Isso não muda porra nenhuma. Pelo contrário, é a perpetuação da hipocrisia. Este revezamento esta enchendo o saco. Uma pessoa que não tema a hipocrisia está mais preparada para suas relações de hipocrisia com “deus” e, ao mesmo tempo, super à vontade para negociar com as forças satânicas (igualmente hipócritas), mas capazes de efetivamente mudarem o mundo. Esta completamente imunizada à vergonha, ao sentimento de ter pecado. Não vive como “inocente útil”. Esta pessoa luta, subversivamente, pelo controle de seu próprio destino. Faz escolhas pelo bem ou pelo mal, conscientemente. É uma pessoa radical. Vai à raiz. Gosta de papo reto. HIPÓCRITAS DO MUNDO, UNI- VOS!

quinta-feira, 25 de abril de 2013

[prêmio uirapuru de música brasileira] SIBA AVANTE, O MELHOR ÁLBUM DE 2012

 1º - SIBA - Avante






2º - METÁ METÁ - Metal Metal

















3º - CURUMIN - ARROCHA





















4º - CÉU - Caravana Sereia Bloom














5º - TULIPA RUIZ - Tudo Tanto















6º - MATUTO MODERNO - 5















7º - SAULO DUARTE e A UNIDADE - Saulo Duarte e A Unidade















8º - FELIPE CORDEIRO - Kitsch Pop Cult














9º - LUCAS SANTTANA - O Deus que devasta mas também Cura














10º - MARTINHO DA VILA - 4.5 Atual



quarta-feira, 24 de abril de 2013

[...] O ALBATROZ

:: psy :: Franck Santos ::

O albatroz solitário fez ninho
sobre o convés abandonado do navio
e pôs um ovo.

Na cidade, um menino estudava trompete
a princípio uma música descosida e qualquer
mas o albatroz, sensível, tomou para si este canto sem dono e inútil
e disse: será o canto do seu primeiro entardecer, filho,
quando as aves estiram longamente suas asas
limpam suas penas e adormecem sem desassossego.

Mas os dias se passaram e o ovo não vingava sobre o casco
progressivamente mais longe do céu
e o albatroz não procurou mais uma canção
inaugurando os momentos de seu pequinino como o natal e seus presentes
um a um.

O albatroz ficou em silêncio e as minhocas e insetos
ressequiram-se
ou desapareceram do convés.

A lua ia alta no céu quando a água umedeceu-lhe as patas
como num doce aviso ignorado.
O ninho se desfez ao nascer do dia.
O menino não tocou mais trompete
nem nenhum instrumento
cresceu.

Tornou-se um grande financista e dedicou-se à caça aos
pombos.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

[agência pirata] POR DENTRO DO QUOTIDIANO DOS SEM-TETO


:: txt :: Tadeu Breda ::

“Se precisar, a gente vai pro pau”, diz Maria Elisete Barbosa de Sousa, uma das três pessoas que se revezam na portaria do edifício Mauá, no centro de São Paulo, ocupado por três movimentos sem-teto desde 2007. Por ali circulam diariamente cerca de mil pessoas. “Conheço todos”, diz Elisete, garantindo: “Aqui só entra morador.” Sua memória fotográfica é uma das armas da coordenação para evitar problemas com visitas indesejadas – mas não a única.

Há mais ou menos dois anos, a assembleia dos moradores decidiu pela instalação de câmeras de vigilância. São oito no total: uma na rua, uma na portaria e mais uma em cada um dos seis andares do prédio. Elisete ocupa o posto das sete da manhã às sete da noite, quando é substituída por um colega. A porteira explica que as câmeras servem para quando alguém apronta e ninguém vê: Elisete já cansou de ver morador descumprir o regimento interno e, depois, tirar o corpo fora. “Com a câmera, a gente pega direitinho. Eu monitoro tudo por aqui e passo qualquer problema pra coordenação.”

As regras na ocupação Mauá são rígidas, e algumas não podem ser infringidas de jeito nenhum. Usar drogas, por exemplo, está terminantemente proibido – e dá expulsão. “Pegou usando? Alguém viu? É rua”, explica Ivaneti Araújo, 39, militante do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) desde 1998 e coordenadora geral do edifício. “Só que a gente não exclui ninguém: é a pessoa que está se excluindo, porque a assinatura das famílias mostra que estão de acordo com as normas.”

O monitoramento e as leis internas não isentam a vida dos sem-teto de confusões e desentendimentos. De pequenas discussões até arranca-rabos, há de tudo. Os ocupantes da Mauá costumam dizer que são uma grande família – como toda família, sofrem, riem, se divertem e também brigam juntos. “Mas não toleramos violência, tipo puxar a faca um pro outro”, delimita Ivaneti. “Se afrouxamos, perdemos o controle. Tem que ter pé das coisas, respeitar e reivindicar respeito.”

O sistema é rigoroso porque nem todos os integrantes do movimento compartilham os ideais da luta. Nem todo mundo tem consciência de que a ocupação não é apenas um lugar pra fugir do aluguel. Muitos não se preocupam em tomar partido na limpeza, instalação elétrica, reparos no encanamento e todos os afazeres para que um prédio abandonado volte a pulsar. “Quando convocamos um mutirão, se tem cem pessoas, 30 comparecem”, lamenta Ivaneti.

Mesmo assim, os sem-teto são especialistas em transformar carcaças urbanas em condomínios plenamente habitáveis: saem os ratos, baratas e entulhos, entram seres humanos. “Quando a gente vai ocupar um prédio, já chegamos com equipes montadas: tem uma turma que vai cuidar da fiação, outra que vai atrás dos encanamentos”, orgulha-se Manuel Pedro dos Santos Filho, 40 anos. “Geralmente, uma hora depois já tem água e energia elétrica.”

Manuelzinho, como é conhecido, é um dos responsáveis pela manutenção do edifício Mauá. Está no MSTC há dez anos e sabe exatamente o que tem que fazer pra dar condições mínimas de moradia a um imóvel detonado. “O primeiro passo é procurar o relógio de água”, ensina. “Achando o relógio, já sabemos onde fica a rede.” Então é preciso cavar, quebrar o chão mesmo, dentro do prédio e na calçada, até chegar ao encanamento. Algumas “pecinhas” adaptadas pelos sem-teto burlam os bloqueios da Sabesp e a água segue seu curso.

Nos primeiros dias, a ocupação Mauá funcionou com apenas uma torneira. Ficava no térreo e servia à necessidade de higiene e cozinha de todas as 237 famílias. Agora, todas as lavanderias e os banheiros – pelo menos quatro por andar – possuem água encanada. Inclusive na cobertura, porque, com a contribuição dos moradores, a coordenação conseguiu comprar uma bomba e duas caixas d’água de 30 mil litros.

Mas a solução de um problema trouxe outro, e vieram os entupimentos. “Tivemos que refazer toda a hidráulica do prédio”, conta Manuelzinho, “encanamento, caixa de esgoto, tudo novo.” A sala onde hoje ocorrem as reuniões e assembleias do prédio – e onde ficava a única torneira de toda a ocupação – tem o chão todo remendado. Uma faixa de cimento sobre o antigo piso quadriculado mostra o caminho da rede de esgoto que, graças aos moradores, extinguiu os entupimentos.

Se a coletividade não participa, não vai às assembleias, não arregaça as mangas, nada acontece. “As pessoas que se recusam a colaborar perdem pontos com a coordenação”, assevera Ivaneti. “Todas as participações e ausências são contabilizadas.” O resultado é que as famílias menos assíduas nas tarefas coletivas ficam pra trás na fila do benefício habitacional, e demorarão mais tempo pra conseguir vaga nos programas que o movimento consegue emplacar em parceria com os governos municipal, estadual e federal.

A casa própria ainda é sonho pra maioria dos sem-teto, mas pra alguns já se transformou em realidade – ou melhor, numa realidade dividida em 300 prestações a serem quitadas ao longo de 25 anos, com apoio da Cohab ou da CDHU. Prova de que nada vem de graça. “Nós queremos pagar, mas de acordo com nossas possibilidades”, diz Ivanilda Rodrigues de Sousa, 32, que recebeu a carta de crédito em 2010 e se mudou da ocupação Mauá pra uma quitinete na Rua Riachuelo, perto da Praça da Sé. Mas não canta vitória antes do tempo: prefere se definir como “uma feliz quase-proprietária”.

Apesar de já estar financiando sua casa, Ivanilda não abandonou o movimento. Vai diariamente ao edifício na Rua Mauá pra ajudar a luta de quem ainda não recebeu o benefício. É a coordenadora do sexto andar e também um exemplo para muita gente que pensa em desistir.

“Tem gente que chega muito desacreditada, arrebentada, com a vida econômica destruída”, diz. “Nós ficamos pra dar uma força e mostrar que a luta é válida e verdadeira.” No caso de Ivanilda, foi uma batalha árdua. A carta de crédito veio após oito anos de militância, foi sofrida – mas veio. Sua jornada incluiu tantas ocupações e desocupações que já perdeu a conta: esteve inclusive numa ação do movimento que ocupou um Batalhão da Polícia Militar. Também passou uma temporada de quatro meses morando na rua.

Mas é recente essa história de coordenador ser beneficiado em programas habitacionais. A maioria das lideranças costumava ceder sua vez na fila pra famílias mais necessitadas. Permanecer sem-teto também é uma maneira de não abandonar a militância. “Se não estiver passando a realidade com eles aqui, vou acabar não me dedicando tanto como me dedico hoje”, prevê Jirlaine Sousa Braga, 36, coordenadora do terceiro andar. “É uma questão de praticidade. Num dia chuvoso, iria pensar duas vezes antes de vir pra cá.”

Nem todos concordam. Manuelzinho conta que já brigou com muito coordenador-cabeça-dura que se negava a aceitar a carta de crédito. Seu raciocínio é bastante simples: como atrair novos integrantes ao movimento se, mesmo depois de anos lutando, as lideranças continuam sem-teto?

“Comecei a insistir que eles tinham que ser beneficiados, assim como eu fui.” Agora, quando vai às reuniões de base, Manuelzinho convida o pessoal pra ir ao seu apartamento, no Canindé, Zona Norte de São Paulo. “É uma maneira de mostrar que a luta é árdua, é dura, mas tem vitória.”

A ocupação Mauá tem pelo menos uma família que está de malas prontas paro a casa própria. Kelly Cristina é mãe de três filhos e cuida de mais três sobrinhos, tudo sozinha. “É nossa guerreira”, sorri Ivanilda. Muito em breve, Kelly irá pra Guaianazes, na Zona Leste, em um projeto da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano) .

Os dois apartamentos que ocupa com seis crianças serão preenchidos pelo grupo de base: gente que já entrou para o movimento, mas ainda não teve oportunidade de participar de nenhuma ocupação. Moram na rua, em cortiços ou destinam quase toda renda mensal para o aluguel. São o exército de reserva, recrutados à força pela especulação imobiliária, mas que têm a opção de se alistar ao movimento e contornar a situação. Como diz Ivaneti: “Quem não luta, tá morto”.

domingo, 21 de abril de 2013

[bolo'bolo] NEGÓCIO C: DESENVOLVIMENTO DA MISÉRIA


   Antes da Máquina do Trabalho industrial colonizar o atual Terceiro Mundo, existia pobreza. Pobreza: quer dizer que as pessoas possuíam poucos bens materiais e não tinham dinheiro, embora tivessem ainda o suficiente para comer e todo o resto necessário àquela forma de vida. O Poder, originalmente, era software. Não era determinado por coisas e quantidades, mas por formas: mitos, festivais, contos de fadas, maneiras, erotismo, linguagem, música, dança, teatro, etc. (Também é evidente que a maneira como os prazeres materiais são percebidos é determinada por concepções e tradições culturais.) A Máquina do Trabalho destruiu a maioria dos aspectos de poder dessa pobreza, e deixou miséria em seu lugar.

    Quando a economia do dinheiro atinge a pobreza, o resultado é o desenvolvimento da miséria, ou talvez só desenvolvimento. O desenvolvimento pode ser colonialista, independente (manejado por elites nativas ou burocracias), socialista (capitalismo estatal), capitalista privado, ou uma mistura de todos. O resultado, entretanto, é sempre o mesmo: esgotamento das fontes locais de comida (monoculturas em vez de agricultura de subsistência), chantagem no mercado mundial (condições comerciais, falhas de produtividade, empréstimos), exploração, repressão, guerras civis entre panelinhas dominantes, ditaduras militares, intervenção dos superpoderes, dependência, tortura, massacres, deportação, desaparecimentos, fome.

    O elemento central do Negócio C é a violência direta. A Máquina do Trabalho desdobra seus mecanismos de controle abertamente e sem inibições. As panelinhas dominantes têm a tarefa de construir Estados centralizados que funcionem, e por essa razão todas as tendências ou movimentos tribais, tradicionalistas, autonomistas, revisionistas e reacionários devem ser esmagados. Os limites territoriais freqüentemente absurdos que eles herdaram dos poderes coloniais têm que ser transformados em Estados nacionais modernos. A Máquina Planetária do Trabalho não pode fazer nada sem partes bem definidas, normalizadas e estabilizadas. Esse é o sentido dos "ajustamentos" atuais no Terceiro Mundo, e para esse objetivo milhões devem morrer ou ser deportados.

    A independência nacional não trouxe o fim da miséria e da exploração. Apenas ajustou o velho sistema colonial às novas exigências da Máquina do Trabalho. O colonialismo não era eficiente o bastante. A Máquina precisava de máscaras nacionais, promessas de progresso e modernização para obter o consentimento temporário dos Trabalhadores C. A despeito da boa vontade subjetiva de muitas elites (por exemplo N’krumah, Nyerere, etc.), o desenvolvimento apenas preparou terreno para um novo ataque da Máquina do Trabalho, desmoralizando e desiludindo as Massas C.

    Para os Trabalhadores C, a família está no centro do negócio, eventualmente o clã, a vila ou a tribo. Trabalhadores C não podem contar com a economia do dinheiro, já que o trabalho assalariado é raro e mal pago. O Estado não é capaz de dar qualquer garantia social. Então a família é a única forma de conseguir um mínimo de segurança social. Porém, a própria família tem um caráter ambíguo: dá segurança entre os altos e baixos, mas ao mesmo tempo é também outro instrumento de repressão e dependência. Isso é verdadeiro para os Trabalhadores C do mundo inteiro, mesmo em países industrializados (especialmente para as mulheres). A Máquina do Trabalho destrói tradições familiares, e ao mesmo tempo as explora. A família exerce um monte de trabalho gratuito (especialmente as mulheres); a família produz mão-de-obra barata para empregos instáveis. A família é o local de trabalho do Trabalho C.

    Os Trabalhadores C dos países em desenvolvimento se encontram numa situação irritante: são instados a abandonar o velho (família, aldeia), mas o novo ainda não lhes pode dar meios suficientes de sobrevivência. Então a gente vem para as cidades e tem que viver em cortiços. Ouvimos falar em novidades de consumo, mas não conseguimos ganhar o bastante para comprar. Simultaneamente nossas aldeias e lavouras decaem, e se tornam manipuladas, corrompidas e usadas pela casta dominante. Pelo menos o Negócio C tem a vantagem de uma relativa folga no cotidiano, e poucas responsabilidades novas; não estamos amarrados a empregos ou ao Estado, não somos chantageados com garantias a longo prazo (pensões, etc.), podemos aproveitar as oportunidades a qualquer hora. Nesse sentido, ainda temos algumas das liberdades que sobraram dos velhos caçadores/coletores. As mudanças ficam mais fáceis, e a possibilidade de voltar para casa na aldeia (ou no que sobrou dela) é uma segurança real que os trabalhadores A e B não têm. Essa liberdade básica é ao mesmo tempo um peso, já que cada dia traz um desafio inteiramente novo, a vida nunca está segura, a comida é incerta, os riscos são sempre altos. Quadrilhas de bandidos, panelinhas políticas, oportunistas exploram essa situação e recrutam facilmente pivetes, traficantes e outros marginais.

    Apesar da interminável propaganda comercial e desenvolvimentista, mais e mais Trabalhadores C estão percebendo que a proposta da sociedade de consumo vai ser sempre uma fada morgana, na melhor hipótese uma recompensa só para os melhores dez por cento dos que prestam serviços à Máquina. Os modelos capitalista e socialista falharam, e a aldeia já não é uma alternativa prática. Já que só existe essa escolha entre diferentes estilos de miséria, não resta saída para os Trabalhadores C. Por outro lado, eles têm as melhores chances de uma nova vida baseada na auto-suficiência, já que as estruturas industriais e estatais estão se tornando muito fracas, e muitos problemas (como energia, habitação e até comida) são obviamente mais fáceis de resolver localmente do que em áreas metropolitanas. Mas se os Trabalhadores C, como uma classe, resolverem voltar às suas aldeias antes que a Máquina Planetária do Trabalho tenha sido desmantelada também nos outros lugares, vão ser duplamente enganados. A solução é global, ou não funciona.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

[gonzo níus] FESTIPOA LITERÁRIA

:: txt :: Fausto Erjili ::

 O FestiPoa Literária teve sua programação divulgada em um evento ocorrido no último dia 16, no Teatro do SESC-RS, Kátia Suman foi a apresentadora, destacando os trabalhos de Cristovão Tezza (homenageado, autor de livros como Trapo, Breve espaço entre cor e sombra e o consagrado O filho eterno) e Altair Martins, anfitrião da Festa.

 Após, houve uma apresentação dos atores Luciana Domiciano e Cristiano Godinho, representando textos de autores como Marcelino Freire, José Castello, Eucanaã Ferraz e Vicente Franz Cecim, intercalada com projeções em vídeo de entrevistas desses escritores. Após, houve uma conversa com Carlos André Moreira (jornalista e escritor) e Altair Martins (jornalista e professor), que praticamente dissecaram a vida e obra de Cristovão Tezza, de forma a deixar a programação do evento em segundo plano. Em dado momento, começou a ficar enfadonho, mas então, como encerramento, houve a apresentação da Orquestra Villa-Lobos, regido por Cecília Rheingantz Silveira e com a magnífica participação, num projeto de inclusão social, de crianças e adolescentes da Lomba do Pinhero.

 A 6ª FestiPoa Literária será entre os dias 10 a 19 de maio e contará com mais de uma centena de convidados. Todas as atividades têm entrada franca. Confira a programação completa clicando aqui.


*nota do editor: nosso repórter estava terrivelmente emboletado e travado que infelizmente não pôde entrevistar ninguém

terça-feira, 16 de abril de 2013

[copyleft] O OUTRO LADO DO "FORA FELICIANO"

:: txt :: Vinicius Wu ::

Há algo de novo na cena política nacional. A mobilização pela saída do deputado Marcos Feliciano da Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal é um movimento sem centro político, sem lideranças, foi disseminado rapidamente, em especial, através das redes sociais. É possível concluir que, de fato, estamos diante de um novo tipo de ativismo. Mas não é apenas isso. Trata-se de uma demonstração – talvez sem precedentes – que a sociedade civil ainda vê sentido em lutar por um Congresso Nacional melhor. Sim, as pessoas estão se mobilizando para disputar os rumos de uma Comissão da Câmara de Deputados.

Estamos tão habituados a concordar irrefletidamente com a tese de que o Congresso Nacional é uma casa desmoralizada, sem respaldo social e desacreditada que mal nos damos conta de que o movimento contra a permanência de Feliciano na Presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) é um sinal evidente que, ao menos essa parcela da sociedade mobilizada, não percebe a Câmara Federal como um espaço descartável ou inútil. Ninguém ali está pedindo o fim da Comissão, nem o fechamento do Congresso. Pelo contrário, a reivindicação da troca de comando da CDH demonstra que nem todos concordam com a tese de que eles são todos iguais.

Pela repercussão nacional e pela dimensão que o movimento tomou, cumpre refletir a respeito de suas possíveis implicações para o futuro da relação entre o Parlamento, os Partidos e o eleitorado. Já havíamos visto algo semelhante na ocasião da escolha de Renan Calheiros para a Presidência do Senado; aqueleporém, não alcançou a mesma amplitude do movimento em curso. Teria a tão difundida “crise de legitimidade” do Congresso chegado ao seu clímax? É possível supor que a sociedade civil resolveu desafiar a alienação que parece presidir algumas das negociações na Câmara e no Senado Federal? O debate sobre a CDH pode abrir uma janela para a reaproximação do Congresso às aspirações da sociedade civil?

Não seria recomendável aos partidos adotarem uma postura de indiferença frente a essas questões. Em primeiro lugar, porque, num regime democrático, não é admissível que o Parlamento ignore as pressões sociais sobre a atividade parlamentar, reduzindo sua relação direta com o eleitor, exclusivamente, aos períodos eleitorais. E se é verdade que o Legislador foi eleito para um período de quatro anos, também é verdadeiro o fato de que compete à cidadania acompanhar e fiscalizar suas ações. Os partidos devem estar cientes de que sua ação política corre, sempre, o risco de ser desaprovada pelos seus próprios eleitores. Então, algumas das movimentações partidárias, realizadas no Congresso para acomodar interesses e compor maiorias, podem encontrar resistências por parte dos cidadãos(ãs) que devem ser estimulados a acompanhar a vida parlamentar e não o contrário.

O alheamento da cidadania em relação aos debates feitos no Legislativo talvez tenha habituado os partidos a uma situação deveras confortável, como se jamais devessem prestar contas à sociedade durante o exercício da atividade parlamentar. Só assim, podemos compreender a indicação de Feliciano, com todo o seu histórico, à Presidência da CDH. Porém, tanto as mobilizações contra Renan e as realizadas agora parecem demonstrar que há algo de novo no comportamento da sociedade civil e que as investidas dessa natureza deverão ser mais bem avaliadas no futuro pelos partidos.

Não obstante, o que parece ser uma ato de confrontação frente a uma escolha infeliz do Parlamento, também pode ser um sinal de que é possível requalificar as relações entre o Congresso Nacional e a sociedade brasileira. Com sabedoria e habilidade política, a Câmara e os deputados federais podem sair-se dessa situação melhor do que entraram. Ou seja, atender ao clamor das ruas e acolher a insatisfação pública, transformando o espisódio numa demonstração clara de que não estão indiferentes ao que ocorre fora dos bastidores do Congresso Nacional será uma excelente forma de recolocar o debate sobre a representação política no Brasil em outro patamar.

Vejamos o que a inteligência dos partidos reunida no Congresso será capaz de produzir para a resolução desse impasse. Estamos diante de uma possibilidade ímpar de avançarmos na reconstrução da legitimidade de nosso Parlamento Federal. É uma oportunidade que não deve ser perdida. Nossa democracia agradece!

sábado, 13 de abril de 2013

[agência pirata] UM PARADOXO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA


:: txt :: Silma Pacheco Ramos ::

 No ranking mundial de liberdade de imprensa, divulgado em 30 de janeiro de 2013 pela ONG Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil ocupa o 108º lugar dentre os 179 países avaliados. Deve-se destacar que quanto pior a posição ocupada no ranking,maior é o desrespeito à liberdade de imprensa. Ressalte-se o agravante de que o Brasil perdeu nove posições em relação ao ranking de 2012, quando ocupava o 99º lugar. No continente americano, o país figura atrás do Suriname (31º), Estados Unidos (32º), El Salvador (38º), Trinidad e Tobago (44º), Haiti (49º), Argentina (54º), Chile (60º), Nicarágua (78º), República Dominicana (80º), Paraguai (90º), Guatemala (95º) e Peru (105º).

Como indicadores, foram analisados a legislação, a violência contra jornalistas, o pluralismo e independência da mídia. No que se refere ao Brasil, o relatório da ONG aponta a contradição de um país considerado modelo e motor econômico regional e a queda na classificação do ranking mundial, atribuindo o resultado negativo ao assassinatos de cinco jornalistas ocorridos no ano passado, ao persistente problema do pluralismo dos meios de comunicação e à violência nas eleições de outubro de 2012.

Os três melhores resultados foram de países sob regime democrático (Finlândia, Holanda e Noruega). Por outro lado, os piores resultados relacionam-se a países sob a égide de regimes políticos ditatoriais (Turcomenistão, Coreia do Norte e Eritréia). De forma geral, pode-se dizer que nos países democráticos o respeito à liberdade de imprensa é maior. Tal fato nos remete à análise acerca da relação existente entre liberdade de imprensa e regime político.

O abismo da desinformação

Nesse diapasão, pode-se dizer que num regime ditatorial a repressão com “mãos de ferro” à liberdade de imprensa é elemento primordial para a manutenção do sistema. A censura imposta mascara a realidade, desestimula críticas e ações contrárias ao sistema e solidifica as regras de um jogo político sórdido no qual a liberdade de imprensa é ameaça à ordem vigente. De fato, a ampla censura num regime autoritário é um poderoso instrumento de manutenção do status quo político.

Por outro lado, garantir a liberdade de expressão, pensamento, informação e comunicação é a pedra de toque para a manutenção e fortalecimento das democracias. Aliás, pode-se dizer que esse sistema não se coaduna com censura ampla e irrestrita. Num regime democrático não há espaço para censura às liberdades dos cidadãos, a menos que sejam para a garantia de outros direitos constitucionais. Apenas o próprio bem-estar e segurança da coletividade justificam o estabelecimento de restrições.

O que se espera de uma democracia é o respeito às liberdades dos cidadãos. Contudo, a realidade brasileira parece andar na contramão desse processo quando se trata de liberdade de imprensa, visto que, resquícios de censura à mídia ainda rondam pelos corredores da imprensa nacional apesar da derrocada do regime de exceção no país ocorrido há mais de duas décadas. Nesse aspecto, verifica-se que os grandes veículos de comunicações tornaram-se, com a chancela do Estado, monopólios de grupos empresariais fortes, que lançam diariamente informações espúrias em nossos lares, escolas e locais de trabalho na tentativa de manipular nossas mentes, de nos jogar no obscuro abismo da desinformação, da ignorância e do conformismo. A imprensa independente é esmagada constantemente por esses grupos e o governo, “sócio” da mídia poderosa, também utiliza os meios de comunicação para prestar (des)serviços à sociedade.

Mordaça da imprensa

Muitos profissionais da área de comunicação quando tentam se libertar das amarras impostas à imprensa local são jogados no ostracismo ou mesmo sepultados pelo sistema em represália à liberdade de expressão. Nesse contexto, o Estado, que deveria proteger os cidadãos e garantir o exercício pleno dos direitos constitucionais, se omite e muitas vezes age através do seu braço jurídico, expedindo ordens judiciais para “calar a boca” e punir aqueles que contrariarem interesses prevalentes.

É inconteste o fato de que num país democrático, onde os governantes tenham verdadeiramente um compromisso com a democracia plena, todos os entraves e tentativas de engessamento da liberdade de expressão e imprensa devem ser rechaçados. É necessário tirar a mordaça da imprensa no Brasil! Ou vivemos a democracia plena ou continuaremos reféns da imprensa antidemocrática.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

[agência pirata] AS ENTRANHAS DO DECLÍNIO AMERICANO


:: txt :: Joseph Stiglitz ::
:: trdç :: Gabriela Leite ::

Vamos começar estabelecendo uma premissa básica: a desigualdade nos Estados Unidos aumenta há décadas. Todos estamos conscientes deste fato. Certas vozes na direita negam a realidade, mas analistas sérios, em todo o espectro político, reconhecem o fenômeno. Não vou elencar todas as evidências neste texto: basta lembrar que a diferença entre o 1% e os 99% é muito vasta quando a analisamos em termos de rendimento anual; e ainda maior quando observamos a riqueza — ou seja, o capital acumulado e outros bens. Considere a família Walton: os seis herdeiros do império do Walmart possuem uma riqueza combinada de cerca de 90 bilhões de dólares, o que é equivalente à riqueza somada dos 30% mais pobres, entre os norte-americanos (muitos deles possuem patrimônio líquido zero ou negativo, especialmente depois do colapso imobiliário). Warren Buffet [leia, de sua autoria, “Parem de mimar os super-ricos”] situou o tema de forma correta quando disse: “Houve uma guerra de classes nos últimos 20 anos, e minha classe ganhou.”

Portanto, o debate real não é sobre o fenômeno da desigualdade, mas sobre seu significado. À direita, ouve-se algumas vezes o argumento de que a desigualdade é basicamente uma coisa boa: se os ganhos dos ricos crescem, afirma-se, toda sociedade segue em seu vácuo. Este argumento é falso: enquanto os ricos têm ficado mais ricos, muitos norte-americanos (e não apenas os mais empobrecidos) não conseguem manter seu padrão de vida, muito menos avançar. Um trabalhador em tempo integral típico ganha hoje o mesmo salário que recebia três décadas atrás.

Entre a esquerda, por outro lado, o crescimento da desigualdade frequentemente provoca um apelo por justiça: por que tão poucos podem ter tanto, enquanto tantos têm tão pouco? Não é difícil entender por que, em uma era dirigida pelo mercado, na qual a própria justiça é em si uma mercadoria que pode ser vendida e comprada. Mas alguns rejeitariam o argumento, rotulando-o como coisa de sentimentais piedosos.

Mesmo colocando o sentimento à parte, existem boas razões para que os próprios plutocratas importem-se com a desigualdade — até mesmo por egoísmo. Os ricos não existem em um vácuo. Necessitam de uma sociedade que funcione em torno deles, para sustentar sua posição. A evidência histórica e do mundo moderno é inequívoca: vamos chegar a um ponto em que a desigualdade desencadeará disfunções econômicas que se espalham por toda a sociedade. Quando isso acontecer, até os ricos pagarão um grande preço.

Vamos examinar algumas razões.

O problema do consumo

Quando um grupo social concentra muito poder, torna-se capaz de assegurar políticas que beneficiam a si próprio, a curto prazo — ao invés de contribuir, a longo prazo, para a sociedade como um todo. Foi o que ocorreu nos EUA, no que diz respeito às políticas tributárias, regulatórias e de investimento público. As consequências (aumento dos rendimentos e da riqueza em favor de um único setor da sociedade) tornam-se visíveis quando se observam os gastos das famílias, um dos motores da economia norte-americana.

Não por acaso, os períodos em que setores mais amplos da sociedade norte-americana registraram aumento dos rendimentos líquidos — ou seja, quando a desigualdade foi reduzida, em parte graças a impostos progressivos — foram aqueles em que a economia cresceu mais rápido. Também não é por acaso que a atual recessão, assim como a Grande Depressão, foi precedida por grandes aumentos na desigualdade. Quando muito dinheiro é concentrado no topo da sociedade, os gastos do norte-americano médio tornam-se necessariamente menores — a menos que haja algum estímulo de outra natureza. A concentração do dinheiro reduz o consumo porque indivíduos de renda mais alta consomem uma fração muito menor de seus rendimentos, se comparados às pessoas de rendimentos mais baixos.

Aparentemente, não é assim. Os gastos dos ricos são extraordinários, como se constata admirando, nas páginas do Wall Street Journal de fim-de-semana, as fotografias coloridas dos anúncios imobiliários. Mas a realidade torna-se visível quando você faz a conta. Considere alguém como o candidato do Partido Republicano à Presidência, Mitt Romney, cujos rendimentos chegaram, em 2010, a 21,7 milhões de dólares. Mesmo se Romney optar por um estilo de vida muito mais perdulário, gastará apenas uma fração desse montante, em um ano típico, para manter a si mesmo e sua esposa, em suas diversas casas. Mas tome a mesma soma de dinheiro e divida por aproximadamente 500 pessoas — na forma, digamos, de empregos que paguem 43.400 dólares por ano — e você descobrirá que quase todo o dinheiro é gasto.

A relação é direta e obrigatória: quanto mais o dinheiro fica concentrado nas classes mais favorecidas, mais a demanda agregada declina. A não ser que “algo a mais” aconteça, na forma de intervenção, a demanda total será menor do que a economia é capaz de oferecer. Significa  que haverá um aumento no desemprego, o que vai enfraquecer a demanda ainda mais. Nos anos 1990, a bolha da tecnologia foi este “algo a mais”. Na primeira década do século 21, foi a vez da bolha imobiliária. Hoje, o único recurso, em meio a uma profunda recessão, são os gastos do governo — exatamente o que o pessoal no topo da pirâmide está tentando refrear.

O problema da caça de rendas

Aqui, preciso recorrer um pouco ao jargão econômico. A palavra renda foi originalmente usada, e ainda é, para descrever o que alguma pessoa recebe pelo uso da terra: é o retorno obtido simplesmente em virtude de propriedade, e não pelo fato de fazer ou produzir algo. Renda contrasta com salário, por exemplo, que conota uma compensação pelo trabalho fornecido pelos assalariados. O termo renda foi, depois, estendido para abranger os lucros de monopólio — a renda que alguém recebe simplesmente por controlar um monopólio. E por fim, o significado da palavra expandiu-se ainda mais, para incluir a remuneração de outros tipos de reivindicações de propriedade. Se o Estado concede a uma empresa o direito exclusivo de importar uma certa quantia de um certo bem (como o açúcar), então os ganhos oriundos deste monopólio são chamados de “renda da quota”.

A concessão de direitos de mineração ou extração de petróleo produz uma forma de renda. O mesmo ocorre com tratamento tributário preferencial, para certos lucros. Num sentido mais amplo, a caça de rendas [rent seeking] define muitas das maneiras por meio das quais nosso processo político favorece os ricos às custas de todos os demais. Inclui transferências e subsídios do governo, leis que tornam os mercados menos competitivos, leis que permitem aos executivos abocanhar uma fração desproporcional dos lucros das empresas e que permitem às corporações ampliar seus lucros destruindo a natureza.

Embora difícil de quantificar, a magnitude da “caça às rendas”, na economia norte-americana, é imensa. Indivíduos e empresas que se aprimoram nesta atividade são fartamente recompensadas. O setor financeiro — que hoje funciona em grande medida como um mercado de especulação, ao invés de uma ferramenta para promover produtividade econômica autêntica — é caçador de rendas por excelência. A prática não se limita à especulação. Este setor extrai rendas também de seu controle sobre os meios de pagamento — por exemplo, cobrando tarifas exorbitantes nas operações bancárias e cartões de crédito, ou imponto, aos vendedores, tarifas menos conhecidas, que são repassadas aos consumidores.

O dinheiro que o setor financeiro extrai dos norte-americanos pobres ou de classe média, por meio de práticas predatórias de crédito, pode ser visto como uma forma de renda de monopólio. Nos últimos anos, este setor apropriou-se de cerca de 40% de todo o lucro empresarial nos EUA, algo totalmente distante de sua contribuição social. A crise mostrou, ao contrário, como ele pode espalhar devastação pela economia. Numa sociedade de caça às rendas, como aquela em que os Estados Unidos se converteram, retorno financeiro e retribuição à sociedade estão perigosamente fora de sintonia.

Em sua forma mais simples, as rendas não são mais que transferências de riqueza, de uma parte da sociedade para os caçadores de renda. Muito da desigualdade em nossa economia resulta da caça de rendas, porque este processo extrai recursos da parte de baixo da pirâmide e os concentra no topo.

Mas há uma consequência econômica mais ampla: a luta pela apropriação de rendas é, na melhor das hipóteses, uma atividade de soma-zero. A caça de rendas não produz o crescimento de nada. Os esforços que ela envolve são direcionados a abocanhar uma parte cada vez maior do bolo, ao invés de fazê-lo crescer. Mas é ainda pior: a busca de rendas distorce a alocação de recursos e torna a economia mais frágil. É uma força centrípeta: o retorno da caça de rendas torna-se tão desproporcional que cada vez mais energia é dirigida a esta atividade, às custas de tudo o mais.

Países ricos em recursos naturais são tristemente famosos pela atividade de caça às rendas. É muito mais fácil tornar-se rico nestes lugares obtendo acesso aos recursos, em condições favoráveis, que produzindo bens ou serviços que beneficiam a população e elevam a produtividade. É por isso que estas economias foram tão mal sucedidas, a despeito de sua aparente riqueza. É fácil desdenhar e dizer: “Não somos a Nigéria, não somos o Congo”. Mas a dinâmica de caça às rendas é a mesma.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

[noétícia] EU, CANDIDATO

:: txt :: Paulo Wainberg ::

Aproveito o momento da campanha política para vereador e prefeito, para lançar minha candidatura a deputado estadual, no pleito de 2014. Pode parecer cedo, mas essas coisas precisam planejamento e estratégia e, como diria Confucio, se estivesse vivo, primeiro as formigas, depois as baratas.
Ainda não tenho partido e isto não importa, quando chegar o momento assino ficha em qualquer um, de preferência o que tiver o maior número de coligações, aumentando o meu tempo na televisão.
Apresento, agora, minha plataforma eleitoral, resultado de profunda pesquisa sobre as grandes necessidades do POVO, as promessas usuais dos políticos, as que são cumpridas e as que não são e de que forma pretendo, durante meu mandato de quatro anos, resolver definitivamente nossos eternos problemas.

SAÚDE

Passam os governos, chegam as eleições e as mesmas promessas se renovam. O que nenhum político percebeu, neste País, é que a saúde não é um problema, o grande problema brasileiro é a DOENÇA! Sim, meus amigos, o POVO sofre devido à DOENÇA, que causa sofrimento e morte, lota nossos hospitais e cria enormes filas para conseguir ficha no SUS, assunto que será tratado abaixo.
Eu, como deputado estadual, prometo acabar de uma vez por todas com a DOENÇA. Meu primeiro projeto, na Assembléia Legislativa, será uma lei que proíba os gaúchos de ficarem doentes. Enviarei aos meus co-partidários no Congresso Nacional, o mesmo projeto, para que eles editem lei que proíba os brasileiros de adoecerem. A lei será simples, terá apenas dois artigos:
Artigo Primeiro: É defeso aos Riograndenses do Sul adoecerem.
Artigo Segundo: Revogam-se as disposições em contrário.
Pensem, gastem alguns minutos de seu precioso tempo, e vejam as consequências da minha proposta. Hospitais com vagas para quem descumprir a lei, diminuição extraordinária do consumo de remédios, os médicos teriam mais tempo para o lazer e o POVO deixará de reclamar.
Alguém pode perguntar: E o que acontece com quem não cumprir a lei? A resposta é simples, cristalina e meridiana: Quem não cumprir a lei, vai ficar doente, vai ter que encarar o problema por conta própria, vai ter que se virar, azar o dele, mas não poderá, nunca, reclamar do Governo.

SEGURANÇA

Vou, como deputado estadual, acabar com a Segurança. Basta de presídios lotados, Polícia prende e Justiça solta, brigas entre polícia civil e polícia militar, esquadrões da morte, chacinas, etc, etc. O POVO não aguenta mais os jornais e televisão falando nisso o dia inteiro, presidentes e governadores prometendo soluções e nada conseguindo. BASTA! Segurança é um problema pessoal, cada um que cuide da sua. O Estado não pode assumir o compromisso de garantir a vida e os bens de cada cidadão. Não há como. A sociedade civil que se organize e, quando falo em sociedade civil, estou me referindo aos clubes sociais, entidades beneficentes, associação de amigos das praias. Ainda não concluí meu estudo, mas estou pensando num projeto de lei que libere a venda de armas para todos os gaúchos, exceto bandidos em geral. Durante o meu mandato, a segurança deixará de ser um problema do Governo.

MOBILIDADE URBANA

Vou realizar um antigo sonho dos gaúchos, a criação de CAVALGOVIAS em nossas cidades. A ideia não é minha, um antigo vereador fez a proposta, no início da década e eu não sou como os políticos que ignoram as boas ideias, mesmo que não sejam minhas. Graças às CAVALGOVIAS, os gaúchos poderão circular, tranquilos, pelas cidades, montados em seus cavalos e sem serem importunados por carros, ônibus, motos e bicicletas. Com isto modificarei também a paisagem urbana pois as grandes construções, a partir da criação das Cavalgovias, terão baias no lugar de garagens. Economia para o povo, comida de cavalo é muito mais barata do que gasolina, gaz e álcool. Cultura gaúcha posta em prática, tornarei real a invenção de nosso tradicionalismo.

EDUCAÇÃO

Os políticos tradicionais negam-se a abordar o problema da educação na sua verdadeira origem, que é a falta de respeito. Eu, deputado, não darei tréguas à falta de respeito e prometo transformar os gaúchos num povo bem educado.
Eis um resumo de minhas plataformas eleitorais. Em breve divulgarei o endereço de meu site onde constará a conta bancária onde você, querido eleitor, poderá fazer sua contribuição mensal para as despesas de campanha.
Vamos, juntos, construir um Rio Grande melhor, vote, em 2014, EM MIM.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

[do além] BINOMIO NOJENTO/TCHAN


:: txt :: Tião Macalé ::

Foram os críticos franceses da famosa revista Cahiers du Cinema que mostram ao mundo o valor de Alfred Hitchcock. Até então, o famoso cineasta era apenas um funcionário talentoso dos estúdios de Hollywood, um sujeito capaz de fazer excelentes filmes de suspense, destinados apenas a vender ingressos e saquinhos de pipoca. Foi a luz da crítica que deu a dimensão artística do trabalho que Hit fazia comercialmente. Tchan!

Não tive a mesma sorte que o diretor inglês. Não recebi o olhar atento de nenhum observador. As poucas linhas escritas sobre mim perfilam um humorista que reforçava os estereótipos do negro pobre, sem estudo e um pouco malandro. Um mero ator cômico, de poucos recursos, que funcionava como escada para estrelas do humor fazerem piadas preconceituosas. Nojento.

Já que ninguém se mobilizou para reconhecer o caráter premonitório de minha obra, resta a mim realizar esta tarefa. A autopromoção não tem credibilidade, eu sei. Mas o que posso fazer? Esperar que algum estudante de comunicação se debruce sobre o meu legado e abra os olhos de cinco ou seis membro de uma banca examinadora? Me contentar em ver minha contribuição artística transformada em tese de mestrado para ser esquecida na prateleira de uma biblioteca? Isso seria, como se diz em São Paulo, disgusting.

Então vamos lá. Não há exagero algum em afirmar que fiz a mais pungente crítica à era digital, antes mesmo dela acontecer. Através dos meus bordões, satirizei o pensamento reducionista, aquele que procura limitar a complexidade das questões em apenas duas possíveis respostas: like (Tchan!) e dislike (Nojento).

O brilhantismo de meus bordões reside justamente na capacidade que eles têm de encerrar qualquer discussão. Funcionam como um veredito intimidatório e desmoralizante. Funkeiro? Nojento. Pronto, precisa dizer algo mais? Django Livre? Tchan! Isso já basta para qualificar Tarantino como gênio e passar para o próximo assunto.

Você há de objetar dizendo que na Internet há sempre a possibilidade de comentar e aprofundar a opinião. Que nem tudo precisa ser um Fla-Flu. É verdade, mas na prática não é bem assim. Basta frequentar as redes sociais para constatar que o pensamento binário é dominante. Se você critica o STF, logo é classificado como defensor dos corruptos. Se é a favor das privatizações, recebe o rotulo de entreguista de direita. E assim por diante. Ninguém quer debater, todo mundo quer ganhar. Não há meio-termo, nem espaço para nuances. Tudo é preto ou branco. Na era digital, 50 tons de cinza, só no título do best-seller. Nojento.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

[...] O DIA EM QUE LIGUEI A TV

:: psy :: Júlio Freitas ::

deu no jornal
que alguém se matou
alguém nasceu
alguém se elegeu
alguém venceu
alguém se casou
alguém explodiu
alguém foi preso
alguém perdeu
alguém se fudeu
alguém peidou
alguém vomitou
alguém comeu
e que alguém mereceu

depois deu novela
redonda
quadrada
limpa
sem podres
enfeitada
asneiras
besteiras
e rostos bonitos

corpos andando sem alma
flores cobertas de merda.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

[bolo'bolo] NEGÓCIO B: FRUSTRAÇÃO NO SOCIALISMO


O Negócio B é o clássico triângulo indústria-trabalhador-Estado. Os aspectos positivos desse negócio (do ponto de vista dos trabalhadores) são empregos garantidos, renda garantida, seguro social. Podemos chamar esse negócio de socialismo porque ele acontece em sua forma mais pura nos países socialistas ou comunistas. Mas o Negócio B também existe em muitas versões diferentes em países de capitalismo privado (Suécia, Inglaterra, França e até mesmo Estados Unidos).

    No centro do Negócio B está o Estado. Comparada com a ditadura anônima do mercado e do dinheiro, a centralização do Estado aparentemente oferece mais segurança para nós. Parece representar a sociedade (isto é, nós) e os interesses comuns, e através dessa mediação muitos Trabalhadores B consideram-se seus próprios patrões. Uma vez que o Estado assume funções essenciais em toda parte (pensões, serviços de saúde, seguro social, polícia), ele parece ser indispensável, e qualquer ataque contra ele soa como suicídio. Mas o Estado é somente uma outra face da Máquina, não a sua abolição. Assim como o mercado, ele constrói seu anonimato através de massificação e isolamento, mas nesse caso são o Partido (ou os partidos), a burocracia, o aparato administrativo, que preenchem a vaga. (Nesse contexto, não estamos falando sobre democracia ou ditadura. Um Estado socialista poderia, de fato, ser perfeitamente democrático. Não há nenhuma razão intrínseca para que o socialismo, mesmo na União Soviética, não venha a se tornar democrático um dia. Entretanto, a formação do Estado em si mesma sempre significa ditadura; tudo depende do quão democraticamente sua organização seja legitimada.)

    Encaramos o Estado ("nosso" estado) como indivíduos sem poder providos de "garantias" que são só folhas de papel e não estabelecem nenhuma forma de controle social direto. Estamos sós, e nossa dependência da burocracia-de-estado é só uma expressão da nossa fraqueza real. Em períodos de crise, alguns bons amigos são muito mais importantes que os nossos cartões de seguro social ou a nossa caderneta de poupança. O Estado significa falsa segurança.

    Nos países socialistas, onde o Negócio B existe em sua forma mais pura, permanece o mesmo sistema de coação – via salários e via trabalho – que existe no Ocidente. Todos nós continuamos trabalhando para os mesmos objetivos econômicos. Algo como um estilo de vida socialista, pelo qual pode fazer sentido aceitar alguns sacrifícios, ainda não emergiu por aí; nada parecido com isso está nem mesmo planejado. Os países socialistas ainda usam os mesmos sistemas de motivação dos ocidentais: sociedade industrial moderna, sociedade de consumo ocidentalizada, carros, aparelhos de TV, apartamentos individuais, famílias nucleares, chalés de verão, discos, Coca-Cola, jeans sofisticados, etc. Como o nível de produtividade desses países permanece relativamente baixo, esses objetivos só são atingidos parcialmente. O Negócio B é particularmente frustrante, já que propõe sonhos de consumo que está longe de poder realizar.

    Mas é claro que socialismo não quer dizer somente frustração. Tem vantagens reais. Sua produtividade é baixa porque os trabalhadores exercem um nível relativamente alto de controle sobre o ritmo de trabalho, as condições e o padrão de qualidade. Já que não há risco de desemprego e a demissão é difícil, os Trabalhadores B vão levando a coisa com uma certa facilidade. As fábricas são superlotadas, todo dia acontece alguma sabotagem, são comuns as faltas para ir às compras, o alcoolismo, o mercado negro e outros negócios ilegais. Os trabalhadores do Negócio B também são oficialmente estimulados a irem mais devagar, já que não há bens de consumo em profusão, logo não há por que trabalhar duro. Assim o círculo da baixa produtividade se fecha. A miséria desse sistema é visível numa profunda desmoralização, numa mistura de alcoolismo com tédio, feudos familiares e carreirismo puxa-saquista.

    Como os países socialistas se tornam cada vez mais integrados no mercado mundial, a baixa produtividade leva a conseqüências catastróficas; países do Negócio B só conseguem vender seus produtos por preços abaixo do mercado, e assim os Trabalhadores B acabam sendo explorados em colônias industriais de salários ínfimos. Seus poucos produtos valiosos vão direto para o Ocidente; sua contínua falta no próprio país é uma razão adicional para a raiva e a frustração dos Trabalhadores B.

    Os recentes acontecimentos na Polônia mostraram que mais e mais Trabalhadores B estão recusando o negócio socialista. Compreensivelmente, existem grandes ilusões sobre a sociedade de consumo e sobre a possibilidade de conquistá-la através da economia de Estado. (Lech Walesa, por exemplo, ficou fascinado pelo modelo japonês.) Muita gente, nos países socialistas (por exemplo, Alemanha Oriental), começou a perceber que uma sociedade de consumo de alta produtividade é só um outro tipo de miséria, e não escapatória. Tanto as ilusões ocidentais quanto as socialistas estão à beira do colapso. A escolha verdadeira não é entre capitalismo e socialismo – ambas as alternativas são oferecidas pela única e mesma Máquina. Seria necessária uma nova solidariedade, não para construir uma sociedade industrial melhor e chegar à afluente família consumista universal-socialista, mas para estabelecer relações diretas de trocas materiais entre fazendeiros e habitantes das cidades, para ficar livres da grande indústria e do Estado. Os Trabalhadores B, sozinhos, não conseguirão isso.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

[a vida como ela noé] TEMPOS MODERNOS

:: txt :: Fausto Erjili ::

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