#CADÊ MEU CHINELO?

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

[agência pirata] O HOMEM QUE MOVEU UMA MONTANHA

Dashrath Manjhi vivia com sua esposa na pequena aldeia de Gahlour, em Bihar, na Índia. O vilarejo tinha uma única estrada de 43 quilômetros que levava os habitantes ao hospital, à escola e ao supermercado mais próximo. Um dia a companheira de Manjhi adoeceu e não houve tempo suficiente para levá-la ao médico pela estrada tortuosa, o que acabou resultando em sua morte.
Usando formão, martelo e uma pá, ele esculpiu incansavelmente, durante 22 anos

 A partir desse dia Dashrath Manjhi jurou para si mesmo que nenhum outro habitante de sua aldeia passaria pela perda de um ente querido, simplesmente por não conseguir chegar a tempo a um hospital. Em 1960, o viúvo obstinado começou a cavar e abrir caminho no meio da montanha que lhes causou problemas durante séculos.

Hoje, pessoas de mais de 60 aldeias usam a estrada artesanal de Manjhi todos os dias

 Já que o governo nunca havia feito nada para ajudar a população, ele decidiu fazer tudo sozinho. Munido de formão, martelo e pá, esculpiu incansavelmente, durante 22 anos. Por fim, quando terminou, o percurso que fizera desde criança para chegar à escola, por exemplo, foi reduzido de oito, para menos de 3 quilômetros. Hoje, pessoas de mais de 60 aldeias usam a estrada artesanal de Manjhi todos os dias.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

[lero-lero] O INCRÍVEL CASO DA PERFEITA UNIÃO ENTRE O NADA E O COISA NENHUMA

:: txt :: Fausto Erjili ::
:: pht :: Júlio Freitas::

As experiências acumuladas demonstram que a adoção de políticas descentralizadoras talvez venha a ressaltar a relatividade das posturas dos órgãos dirigentes com relação às suas atribuições. O empenho em analisar a expansão dos mercados mundiais cumpre um papel essencial na formulação da gestão inovadora da qual fazemos parte. Todavia, o consenso sobre a necessidade de qualificação estimula a padronização do orçamento setorial. Pensando mais a longo prazo, a crescente influência da mídia apresenta tendências no sentido de aprovar a manutenção dosmétodos utilizados na avaliação de resultados.

O cuidado em identificar pontos críticos no desenvolvimento contínuo de distintas formas de atuação afeta positivamente a correta previsão dos procedimentos normalmente adotados. É importante questionar o quanto a hegemonia do ambiente político auxilia a preparação e a composição das condições inegavelmente apropriadas. É claro que a complexidade dos estudos efetuados oferece uma interessante oportunidade para verificação do processo de comunicação como um todo. Podemos já vislumbrar o modo pelo qual a valorização de fatores subjetivos pode nos levar a considerar a reestruturação das diretrizes de desenvolvimento para o futuro.

Evidentemente, a determinação clara de objetivos possibilita uma melhor visão global das direções preferenciais no sentido do progresso. O que temos que ter sempre em mente é que o aumento do diálogo entre os diferentes setores produtivos causa impacto indireto na reavaliação do fluxo de informações. O incentivo ao avanço tecnológico, assim como a execução dos pontos do programa deve passar por modificações independentemente dos modos de operação convencionais. Acima de tudo, é fundamental ressaltar que a consolidação das estruturas faz parte de um processo de gerenciamento das regras de conduta normativas.

Por outro lado, o entendimento das metas propostas aponta para a melhoria dos índices pretendidos. Assim mesmo, o início da atividade geral de formação de atitudes acarreta um processo de reformulação e modernização dos níveis de motivação departamental. Por conseguinte, o fenômeno da Internet agrega valor ao estabelecimento do levantamento das variáveis envolvidas.

Do mesmo modo, a percepção das dificuldades exige a precisão e a definição das formas de ação. A prática cotidiana prova que a mobilidade dos capitais internacionais ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança do sistema de formação de quadros que corresponde às necessidades. No mundo atual, o julgamento imparcial das eventualidades representa uma abertura para a melhoria do sistema de participação geral. A nível organizacional, o desafiador cenário globalizado maximiza as possibilidades por conta das novas proposições. Ainda assim, existem dúvidas a respeito de como a necessidade de renovação processual promove a alavancagem dos relacionamentos verticais entre as hierarquias.

Todas estas questões, devidamente ponderadas, levantam dúvidas sobre se a competitividade nas transações comerciais obstaculiza a apreciação da importância do remanejamento dos quadros funcionais. Percebemos, cada vez mais, que o novo modelo estrutural aqui preconizado desafia a capacidade de equalização dos conhecimentos estratégicos para atingir a excelência. Nunca é demais lembrar o peso e o significado destes problemas, uma vez que o surgimento do comércio virtual é uma das consequências das condições financeiras e administrativas exigidas. Gostaria de enfatizar que o acompanhamento das preferências de consumo garante a contribuição de um grupo importante na determinação do investimento em reciclagem técnica. Neste sentido, a estrutura atual da organização prepara-nos para enfrentar situações atípicas decorrentes dos paradigmas corporativos.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

[rango] CHEFS  DO  AMANHÃ

:: txt :: Patricia Canarim ::

Quero contar sobre um projeto social que conheci em Belo Horizonte (MG), no ano passado, quando estive por lá a trabalho: Chefs do Amanhã.

O projeto Chefs do Amanhã é iniciativa da Secretaria do Estado de Esportes e Juventude (MG) em parceria com a CeasaMinas e o Centro Mineiro de Referência em Resíduos. O objetivo do curso é despertar nos jovens o interesse pela gastronomia e ressaltar a importância do aproveitamento integral dos alimentos usados nas refeições.

Chegamos no meio da aula e a professora e idealizadora Fabrícia Fortini preparava um bolo de casca de banana “ É muito bom! Vocês vão adorar, vai ter até briga...rsrs” brinca Fabrícia com os alunos. É uma delícia mesmo, também provei num fim da aula.

Nas 10 turmas que foram formadas no seu primeiro ano de atividades, mais de 250 alunos foram capacitados. São jovens de 12 a 18 anos que tiveram a oportunidade de conhecer uma nova profissão. E mais que isso! Literalmente colocaram a mão na massa.

Funciona assim: todos vestidos com avental ficam em torno de uma grande mesa e com um belo espelho em cima (a moldura é muito bonita num estilo bem clássico). Ali separam os ingredientes, cortam cebola, limpam frangos e acompanham os conselhos da Fabrícia.

E Fabrícia dá um conselho que vale para todos nós, que não somos um chef, mas temos que ir para cozinhar garantir um almoço, “..tem que ir para o fogão, tem que tentar, vai errar, queimar comida e solar bolo..é assim que aprende a cozinhar!”

Infelizmente não tenho a receita do bolo de banana com cascas, mas vou tentar arrumar. Para compensar deixo a receita de um Assado de cascas de chuchu.

Ingredientes:
4 xícaras de chá de casas de chuchu, bem lavadas, picadas e cozidas
2 colheres de sopa de queijo ralado
1 xícara de chá de pão amanhecido molhado na água ou no leite
1 cebola pequena
1 colher de sopa de óleo
2 ovos inteiros batidos
Sal a gosto

Modo de Preparo:
Bater as cascas do chuchu no liquidificador. Colocar a massa obtida em uma tigela e misturar o restante dos ingredientes. Untar um pirex ou uma forma com óleo ou margarina. Despejar a massa e levar para assar até que esteja dourada. Servir quente ou frio. Esta receita pode ser enriquecida, juntando à massa uma lata de sardinha desfiada. Observação: podem também ser utilizadas as cascas de outros ingredientes como cenoura, abóbora, rabanete, beterraba, nabo, talos de agrião, de couve, de brócolis, sempre refogados ou cozidos.

É isso, espero que experimente essa receita, mas de qualquer forma estou devendo o bolo de banana com cascas.

sábado, 14 de dezembro de 2013

[copyleft] ESPÍRITO  NATALINO  E  CONSUMISMO  EXACERBADO

:: txt :: Jaciara Itaim ::

A chegada do mês de dezembro reproduz a cada ano cenas que poderiam ser consideradas completamente irracionais por algum alienígena que se aproximasse de nosso País. Estamos em pleno final de ano, auge do verão aqui no hemisfério sul, com temperaturas bastante elevadas. No entanto, os ambientes todos estão tomados por indivíduos fantasiados com roupas pesadas e quentes, imitando a figura emblemática e mitológica do Papai Noel. A tentativa é de reproduzir o contexto da Lapônia, uma província da Finlândia, onde as temperaturas podem atingir mínimas de -20° C nessa época do ano.

Vem daí então o imaginário da neve, do pinheirinho, do trenó com as renas e tudo o mais que cerca o ambiente de Natal. Estranho sincretismo esse que conseguiu unir as tradições bíblicas que envolvem o nascimento de Jesus às estórias fantásticas do velhinho barbudo do norte europeu em um território equatorial e do outro lado do Oceano Atlântico. A tradição dos presentes - que remonta, na verdade, à chegada dos reis magos no dia 6 de janeiro - foi sendo aos poucos substituída pela pressão social em torno da oferta dos presentes no próprio dia do nascimento do menino Jesus.

Consumir, consumir, consumir e oferecer

Assim, o espírito natalino se converteu à sanha das compras e das aquisições. Festejar o Natal passou a ser sinônimo de desejo de consumo, impulso expresso por todos - desde as crianças até os adultos de todas as idades e gerações. As cartas ingênuas à entidade desconhecida de barriga grande e barbas brancas, as trocas de presentes no ambiente de trabalho, as festas familiares com as encomendas acertadas previamente ou sob efeito surpresa do amigo-secreto. Pouco importa a forma, uma vez que o essencial é um elemento apriorístico: o consumo.

É importante reconhecer que a realidade brasileira é pródiga na criação e na ampla aceitação social de datas “comemorativas”, onde o foco é sempre o presentear outrem por meio de compras. Apesar de o Natal ocupar, de longe, o primeiro lugar em importância e em faturamento, na seqüência surgem outros momentos que são utilizados para que a indústria e o comércio esquentem seus motores ao longo do ano. É o caso do Dia das Mães, Dia dos Namorados, Dia das Crianças e Dia dos Pais, para citar alguns exemplos. Para além das questões de natureza cultural e de sociabilização, a grande marca deixada pelas organizações que constituem a nossa formação capitalista relaciona-se ao verbo comprar. Ou seja, transformar esse misto de desejo e de imposição social em circulação de mercadoria, em movimentação acelerada de valores de troca e de valores de uso.

Nesse aspecto, ganha relevância o papel desempenhado pelas estruturas de propaganda e marketing. Trata-se da criação de necessidades sociais e culturais de forma artificial e exógena, em processos onde os indivíduos se sintam motivados a desenvolver determinadas ações ou a adotar certos comportamentos em nome de uma espécie de “unanimidade construída”. O verdadeiro bombardeio a que estamos todos submetidos por várias semanas antes mesmo da data da ceia tem uma mensagem muito clara. Natal feliz é Natal com presente. Quem não recebe nada comprado na data deve se sentir menosprezado ou desprezado por aqueles que o cerca. Quem se atreve a não comprar presentes para oferecer não merece o carinho nem o bem querer de seus pares. A comemoração é fortemente carregada do elemento simbólico: o querer é avaliado a partir da quantidade, da exuberância e dos preços.

A criação das necessidades e a generalização das compras

Vale recordar, por outro lado, a importância adquirida por uma forma muito especial, em meio à multiplicidade de estratégias mercadológicas: a publicidade dirigida ao público infantil. Apesar da festa não ser dirigida apenas às crianças, o foco recai sobre essa parcela expressiva da população, que termina por exercer influência significativa sobre as decisões das famílias no período. Ainda que os espaços de tangência entre a ética e a legalidade estejam presentes em todo o tipo de propaganda, no caso específico do universo infantil a situação é ainda mais escabrosa. São pessoas ainda em processo de formação e amadurecimento, sem quase nenhuma capacidade de discernimento entre o necessário e o supérfluo, entre o real e a fantasia, com pouca referência a respeito de preços e capacidade de aquisição. Ou seja, é o caso típico de atividade que deve ser proibida por lei - em razão de seus reconhecidos efeitos nocivos para o conjunto da sociedade – e não ser liberada em nome da liberdade do mercado e da possibilidade de amplo de acesso à informação.

O padrão civilizatório hegemônico nos tempos atuais determina que a conquista da felicidade e a vigência do bem estar estão intimamente associados à capacidade do indivíduo ter e comprar. A posse dos bens é elemento sempre martelado pelos meios de comunicação, a todo momento associada à imagem da pujança, da beleza e do amor. Quem tem, pode. Quem tem mais, pode mais. Quem tem mais caro, pode ainda muito mais. Ocorre que na sociedade capitalista, a tendência é a da generalização das relações mercantis. Assim, via de regra, para se ter algo é necessário processar o ato da compra. A relação de troca se realiza por meio do equivalente geral, o dinheiro. E para os que ainda não reúnem as condições de recursos para a compra do presente desejado, o sistema oferece o instrumento mágico que permite a antecipação do consumo: o crédito.

A intermediação da esfera financeira ajuda a completar o ciclo da realização do capital, com a garantia de que o consumo se efetive mesmo na ausência dos recursos monetários no momento da
aquisição do bem. Isso porque o modelo envolvido na dinâmica do capitalismo pressupõe a produção e a venda das mercadorias de forma contínua, sempre em escala crescente, para promover a acumulação concentrada de riqueza.

Esmagamento do espaço para práticas de sustentabilidade

De forma geral, a lógica que orienta a ação da empresa privada é a da maximização do lucro no curto prazo, sem nenhuma perspectiva de médio e longo prazo. No jogo pesado das disputas por novas fatias de mercado não existe muito espaço para a noção da sustentabilidade. Pouco importa se ela se refere ao aspecto econômico, ao elemento social ou à sua dimensão ambiental. Assim, o que interessa na “racionalidade” inerente ao processo de acumulação de capital é o crescimento do consumo em toda e qualquer escala. Portanto, a mudança comportamental envolvendo inovações como “consumo consciente” ou “processos sustentáveis” só se viabilizam com a entrada em cena das políticas públicas, proibindo determinadas ações ou estimulando outras alternativas. A lógica pura do capital, atuando com plena liberdade, combina uma dialética de criação e destruição em sua própria essência.

Assim, o que todos verificamos à nossa volta com a aproximação do espírito natalino é a cristalização mais evidente da forma de funcionamento da economia capitalista. Nas sociedades hegemonizadas pelo padrão civilizatório do mundo ocidental, o mês de dezembro radicaliza e potencializa o comportamento social que assegura a reprodução ampliada dessa forma particular de organização social e econômica. Não basta um Natal que seja marcado apenas pelo espírito da solidariedade e pelo sentimento da fraternidade. O período das festas deve ser o momento do consumo, por excelência.

Os ingredientes que contribuem para manter esse gigante em movimento são introduzidos de forma crescente ao longo do processo. Isso significa a incorporação crescente de bilhões de novos agentes no mercado consumidor e a generalização do acesso às compras em escala global. Além disso, torna-se necessário avançar bastante nos processos envolvendo a chamada “obsolescência programada”, de forma a garantir a continuidade do ciclo de consumo por meio da redução da vida útil dos produtos. A propaganda também joga um papel essencial, ao incutir nos indivíduos valores e desejos que estão muito distantes das necessidades, digamos, mais reais e concretas.

Em suma, não é mais suficiente que as pessoas exerçam sua função de compradores finais de bens e serviços. O espírito natalino desnuda a realidade mais cruel do modelo no qual estamos sendo conduzidos. Não basta apenas o consumo. Faz-se necessário o
consumismo exacerbado.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

[agência pirata] AS RAZÕES DOS MANDACHUVAS DA FIFA

:: txt :: Paulo Mileno ::

Afinal das contas, qual teria sido o critério da Fédération Internationale de Football Association (Fifa) para a escolha dos mestres de cerimônias (MCs) para a apresentação do sorteio das chaves no evento realizado na sexta-feira (6/12), na Costa do Sauípe, na Bahia? Afinal de contas, já que a entidade máxima do futebol internacional não apresentou uma justificativa ou uma desculpa, qual seria, se é que houve algum critério na escolha da gaúcha Fernanda Lima e do catarinense Rodrigo Hilbert como MCs? Se foi uma escolha entre o baiano Lázaro Ramos e a carioca Camila Pitanga, como toda escolha, houve um critério ou cálculo do custo de oportunidade. Se você escolhe uma oportunidade, você também está perdendo pelo que a outra oportunidade tinha a oferecer.

Eu, que pouco sei de Economia e menos ainda entendo de Direito, ousarei do domínio do fato para tentar interpretar o fato que repercute: Camila Pitanga é Pitanga desde Antônio, o mesmo revelado por Glauber Rocha tido como o célebre do Cinema Novo, que por sinal criou, com sua turma, o cinema brasileiro. Que fique claro: o cinema abordado sobre as questões da realidade de seu povo. Camila constrói sua carreira tanto no cinema, no teatro e na televisão em que, por sinal, está no ar desde que a presença dos atores negros na TV não era tão constante, embora ainda sem consistência, desde que Lázaro Ramos se tornou uma referência para as novas gerações.

Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert, além de formarem casal na vida real, são modelos e atores. Fernanda é também apresentadora de TV. A presença de ambos na televisão é bem mais fácil e até mais lógica (?), já que a sociedade é estruturalmente racista. Vejamos: Fernanda e Rodrigo são atores. Lázaro é um “ator negro”. Camila Pitanga já tem um histórico e todo mundo sabe que desde cedo ela se autodeclara como
negra (à revelia e incompreensão de alguma gente). O sucesso profissional, segundo o dr. Nilo Batista, vai embranquecendo as pessoas. Ele, que se diz mulato, reclamava que não tinha alunos negros nas suas turmas de Direto nas universidades antes das cotas e programas de acesso ao ensino superior. Até então, o negro estava predestinado, no máximo, a cursar o ensino médio.

Camisa semelhante à do Flamengo

Se os fatos não falam por si, temos no documentário de Zoel Zito Araújo, A Negação do Brasil,um clássico dado sua contemporaneidade aos idos do século 21, onde o longa fora filmado na virada do ano 2000. Chegamos ao fim de 2013 e o racismo como ideologia (claro, é um pensamento fincado em ideias) faz da crença que Jesus Cristo tem feições europeias, quando esse teria nascido e se criado no norte do Egito.

Não tenho nada contra Rodrigo Hilbert e muito menos Fernanda Lima. E concordo com ela quando diz não ter nada a ver com isso por ser “branquinha”. Esse mesmo casal já foi MC do lançamento do emblema da Copa do Mundo em Johanesburgo, na África do Sul, em 2010, e em 2011, no Rio de Janeiro, Fernanda Lima também apresentou, ao lado do apresentador Tadeu Schmidt, as seleções que disputariam as eliminatórias.

Se “isso” no que ela se refere quanto à escolha da Fifa, é claro. Mas se a Fifa declarar o motivo “daquilo” de sua pretensão no que se refere aos cerimonialistas do evento que apresentaram os grupos-chaves do campeonato, um tanto se justifica, pois a cerimônia na Costa do Sauípe já demostra um lugar projetado para o turismo. Agora, se ela sabe o motivo por parte da Fifa, e o critério ou o custo de oportunidade se deve por eles serem brancos, teria ela e seu marido que recusar o convite.

Racismo, preconceito e descriminação em geral é burrice. “(...) O preconceito é uma coisa sem sentido/ Tire a burrice do peito e me dê ouvidos/ Me responda se você discriminaria/ Um sujeito com a cara do PC Farias/ Não, você não faria isso não/ Você aprendeu que o preto é ladrão (...)” – diz um trecho da música de Gabriel, O Pensador. Por sugerir pensamento, a Alemanha lançou seu slogan: “Vocês nem imaginam o quanto de Brasil existe dentro de nós”. Trata-se de uma mensagem da seleção alemã para o povo brasileiro e, pela diversidade na foto, acho que os modelos Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert não seriam selecionados. Não sei se é coincidência, mas nas redes sociais a equipe da Alemanha tem divulgado uma camisa semelhante às cores do time do Flamengo.

Ponto de vista do colonizador

A Globo agiu acertadamente ao indicar Lázaro e Camila para a cerimônia de apresentação dos grupos-chaves da Copa, na Bahia. Trata-se de um estado brasileiro negro, e o Brasil possui a maior população negra do planeta, fora da África, onde 51% de sua população se autodeclara como afrodescendentes e/ ou pretos e pardos, segundo o IBGE. Isto é, somos 51% que se auto-declaram (a separação, mesmo com a abolição do hífen, é proposital), fora as pessoas que não se declaram assim como as mesmas que contrariam a própria Camila Pitanga.

A televisão brasileira passa por uma adaptação do nosso tempo enquanto o Rio de Janeiro como polo cultural do Brasil não poder ter, somente, a zona sul de Manoel Carlos como produção do imaginário, mas também deve, sobretudo, ter o universo da zona oeste de Paulo Lins veiculado em comunicação em massa. Incluindo aí também o subúrbio da zona norte. Mais da metade do povo brasileiro também tem o direito de ser representado nos programas, nas novelas, nos âncoras jornalísticos, nos filmes e nas demais formas de transmissão da identidade brasileira. Do contrário, continuaremos com o ponto de vista do colonizador. Madiba presente ad aeternum!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

[do além] TOCA RAUL!

:: txt :: Raul Seixas ::

Logo nos primeiros minutos do documentário Raul, o Início, o Fim e o Meio, meu irmão Plínio conta que, durante a adolescência, eu sofria de insônia e, quando o acordava, ele recomendava que eu me masturbasse para que o sono chegasse novamente. Foram as primeiras vezes que se ouviu no Brasil o famoso grito: Toca, Raul! Mas tal brado é bem mais antigo. Como nasci há 10mil anos atrás – e só há o Google que saiba mais –, posso afirmar que o grito Toca, Raul! surgiu antes mesmo de minha obra musical. Na Grécia antiga, Homero certa vez recitava a Ilíada quando foi interrompido por um maluco beleza a berrar para que uma de minhas canções fosse executada.

Jesus enfrentou problema semelhante. Durante o famoso Sermão da Montanha, mal começou a proferir Bem-aventurados os humildes de espírito, porque... ouviu a voz de um infiel a gritar: Toca, Raul! Sabe aquela pausa de Martin Luther King depois de I Have a Dream? Pois é, não teve intenção dramática. Foi provocada por alguém da plateia que gritava você sabe o quê. Tenho dois sentimentos em relação ao grito. Há um lado meu que gosta de emblemar essa tradição da inconveniência. Gritar Toca, Raul! durante um concerto de Chopin, por exemplo, é se materializar como a mosca que pousou em sua sopa. Em muitas ocasiões, funciona como um chamado de alerta, uma convocação ao despertar, um rasgo de rebeldia, um pouco de rock-n’-roll. Em outras, serve como trilha sonora pros tempos atuais: toda vez que Obama aparece ameaçando um ataque à Síria, fico esperando alguém gritar Toca, Raul! pra eu começar a tocar Senhor da Guerra; quando surge notícia sobre Assad, penso em cantar Cowboy Fora da Lei pra ele. Entretanto, nada tira da minha cabeça que o problema dos dois é nunca ter ouvido Rock das Aranhas.

Mas agora vou desdizer o oposto do que disse antes. O que me dá um certo bode é que Toca, Raul! virou também uma espécie de piada do tipo é pavê ou pra comer. O sujeito não economiza no bordão. E o dispara em qualquer ocasião. Show no barzinho, roda de samba, balada sertaneja, desfile militar. Seu uso excessivo, além de desgastar o sentido original, se é que teve, cria certa animosidade com minha obra. Gente que nunca ouviu Ouro de Tolo e Krig-ha, Bandolo! já nem quer conhecer minhas músicas por conta dessa turma do pavê. Repetem tanto esse mantra por aí que os Detonautas vão fazer um tributo a mim no Rock in Rio. Você sabe, tributo só é bom pra quem arrecada. Ao menos uma coisa me consola: depois disso, acho muito improvável que se escute Toca, Raul! outra vez.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

[...] O ANALFABETO POLÍTICO

:: psy :: Bertold Brecht ::

O pior analfabeto, é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos
acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio Depende das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
política.

Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta, O menor abandonado,

O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilanta, o corrupto e o espoliador

Das empresas nacionais e multinacionais.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

[...] FIM DO MÊS

:: psy :: Júlio Freitas ::

acabou o martíni
mas ainda temos
aquele vinho barato.

acabou o fetuccini
mas ainda temos
mortadela naquele prato.

acabou o filme
mas ainda temos
aquele álbum de retratos.

acabou o almoço
acabou a salada,
mas
ainda temos o caroço
ainda temos goiabada.

Como sobra tanto troço
Quando não temos quase nada!

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

[agência pirata] BURGUESIA É A SOCIEDADE

:: txt :: Alberto Dines ::

Não foi a “imprensa burguesa” a responsável pela prisão de 11 réus condenados pelo escândalo do mensalão no último fim de semana. Mesmo como desabafo indignado ou recurso retórico a denúncia é equivocada. Repetida pelos encarcerados que faziam parte da direção do PT na época em que o caso veio à tona, revela surpreendente inabilidade e falta de inspiração. A explicação de Henrique Pizzolatto, ex-dirigente do Banco do Brasil que escapou para a Itália, é mais lógica e pertinente – alegou ser vítima de um erro judiciário, queria um julgamento justo. Mandou-se.

A “imprensa burguesa” é culpada de inúmeros pecados, aberrações e desatinos, mas o fato de ser burguesa não é sua culpa: burguesa é a sociedade que
a criou e sustenta. O país que lhe fornece valores e mentalidades é espiritualmente burguês. Mais do que isso: pequeno-burguês. Inclusive algumas de suas vanguardas.

O exemplo mais recente e dramático dessa insopitável vocação para o reacionarismo foi a tentativa de um grupo de astros da música popular de embargar a publicação de biografias não-autorizadas. O caso é antológico, paradigma da amnésia burguesa que esquece compromissos do passado em troca do sossego futuro.

Esse burguesismo incrustado nos recônditos do nosso inconsciente resulta das contradições de uma elite incapaz de perceber o seu papel. A submissão ao “rei” Roberto Carlos – ícone de uma pequena burguesia clerical e medíocre – é uma brutal exibição das confrarias e lealdades desprovidas de ideais, assentadas apenas em interesses.

Auto de fé

O próprio objetivo do mensalão – garantir um esquema de sustentação parlamentar na base de compra regular de votos – foi um desvio burguês, reacionário. O certo seria buscar apoios a um projeto de governo, reformista ou revolucionário, cujo sucesso seria a legítima moeda de troca. Pagar em espécie por alianças políticas é um aviltamento do qual só participa quem não acredita no contrato social nem nos deveres democráticos.

Ignorar a exemplaridade do caso do mensalão – pela esfera onde ocorreu, por suas dimensões e dinâmica – para concluí-lo levianamente seria uma opção permissiva, frívola, burguesa. Esta condição dolorosa, trágica, não pode ser abortada, descartada ou contornada. A catarse seria uma solução: se produzir gestos de grandeza, reforçar consciências e criar a noção de reparação.

O que confere à nossa imprensa um ar terrivelmente burguês, falacioso, algo cínico, é a sua irresistível compulsão para comportar-se como um auto de fé. Ou patíbulo. Deveria ser a arena – ou foro – de onde se descortinam, em toda a extensão, a generosidade e miséria da condição humana.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

[pontodevista] O ÓBVIO. E, AINDA ASSIM, DISCUTÍVEL OU TAMOS FUDIDOS!

:: txt :: Wladymir Ungaretti ::

O óbvio. E, ainda assim, discutível. Em tempos de Internet e redes sociais, os showrnalistas, nas redações, vivem grudados nas informações das redes. Os estudantes de comunicologia, nas faculdades dos diplomas do nada, em sala de aula, permanentemente, são atualizados por milhares de informações confiáveis ou não, assim como NÃO são confiáveis as informações dos “jornalões” da mídia corporativa. Estou dizendo isso como jornalista e professor de jornalismo da UFRGS. E espero não ser patrulhado, pois que respeito, rigorosamente, as opiniões diversas. Aprendi, na cadeia, este respeito pela diversidade de opiniões!

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

[bolo'bolo] IBU

De fato, só existe mesmo o ibu, e mais nada. Mas o ibu é
irresponsável, paradoxal, perverso. Só existe um único ibu e ele se
comporta como se fossem quatro bilhões ou mais. O ibu também sabe que
inventou sozinho o mundo e a realidade, mas acredita firmemente que
essas alucinações são reais. Poderia Ter sonhado uma realidade
agradável, sem problemas, mas insistiu em imaginar um mundo miserável,
embrutecido e contraditório.*

Sonhou uma realidade na qual é constantemente atormentado por
conflitos, catástrofes, crises. Fica dividido entre o êxtase e o
tédio, o entusiasmo e a decepção, a serenidade e a euforia. Tem um
corpo que requer 2.000 calorias por dia, que fica cansado, resfriado,
doente; e expele esse corpo a cada setenta anos, mais ou menos – um
monte de complicações desnecessárias.

O mundo externo do ibu também é um pesadelo contínuo. Perigos
enervantes o mantêm entre o heroísmo e o medo. No entanto, ele poderia
encerrar esse drama horroroso suicidando-se e desaparecendo para
sempre. Já que só existem um único ibu e o universo que ele criou para
si mesmo, não tem que se preocupar com dependentes que sobrevivem,
amigos chorosos, contas a pagar, etc. Sua morte seria completamente
sem conseqüências. Natureza, humanidade, história, espaço, lógica,
tudo desaparece com ele. A barra pesada do ibu é completamente
voluntária, e no entanto ele diz que não passa de uma peça do jogo.
Para que mentir tanto assim?

Aparentemente, o ibu está apaixonado por seu tortuoso pesadelo
masoquista. Ele até protegeu cientificamente esse pesadelo contra o
nada: define o sonho como irreal, assim o pesadelo se torna o sonho da
irrealidade de sonhar.

O ibu se trancou na armadilha da realidade.

Leis naturais, lógica, matemática, fatos científicos e
responsabilidades sociais formam as paredes dessa armadilha. Enquanto
o ibu insiste em sonhar sua própria impotência, o poder vem de
instâncias superiores às quais ele deve obedecer: Deus, Vida, Estado,
Moral, Progresso, Bem-Estar, Futuro, Produtividade. Com base nessas
pretensões ele inventa o sentido da vida, que, é claro, nunca pode
alcançar. Sente-se constantemente culpado, e se mantém numa tensão
infeliz na qual esquece de si mesmo e de seu poder sobre o mundo.

Para se impedir de reconhecer a si mesmo e descobrir o caráter
onírico da sua realidade, o ibu inventou "outros". Imagina que esses
seres artificiais são iguais a ele. Como num teatro do absurdo, mantém
relações com eles, amando ou odiando, até pedindo conselhos ou
explanações filosóficas. Assim escapam de sua própria consciência,
delegando-a aos outros para se ver livre dela. Ele concretiza os
outros ibus organizando-os em instituições: casais, famílias, clubes,
tribos, nações, humanidade. Inventa a sociedade para si mesmo, e a
sujeita às suas regras. O pesadelo é perfeito.

O ibu só vê a si mesmo se houver brechas acidentais em seu mundo de
sonho. Mas em vez de terminar essa perversa existência ele tem pena de
si, morre permanecendo vivo. Esse suicídio reprimido é deslocado para
fora, para a realidade, e volta para o ibu na forma de apocalipse
coletivo (holocausto nuclear, catástrofe ecológica). Fraco demais para
se matar, o ibu quer que a realidade faça isso por ele.

O ibu gosta de ser torturado, então imagina utopias maravilhosas,
paraísos, mundos harmônicos que, evidentemente, nunca podem ser
alcançados. Só servem para fixar o pesadelo, dando ao ibu esperanças
natimortas e instigando-o a todos os tipos de iniciativas políticas e
econômicas, agitações, revoluções e sacrifícios. O ibu sempre morde a
isca dos desejos e ilusões. Não compreende a razão. Esquece que todos
os mundos, todas as realidades, todos os sonhos e sua própria
existência são infinitamente chatos e cansativos, e que a única
solução consiste em retirar-se imediatamente para o confortável nada.


*<i>O caráter onírico do meu universo (quem conhece outro?) não é
somente uma piada filosófica, mas uma das conclusões da moderna física
quântica. Não há nenhum mundo aí fora para nos dar uma orientação
"real": a realidade é apenas um padrão retórico.

Michael Talbot (Mysticism and the New Physics, Routledge & Kegan
Paul, 1981, p. 135) coloca a coisa assim: "No paradigma da nova física
nós sonhamos o mundo. Sonhamos como ele sendo duradouro, misterioso,
visível, onipresente no espaço e estável no tempo, mas permitimos
tênues e eternos intervalos completamente sem lógica em sua
arquitetura para sabermos que ele é falso." Depois de Heisenberg,
Schrodinger, Bell, etc., ninguém pode clamar a realidade para si em
nome da ciência. Físicos como Fritjof Capra (O Tao da Física,
Berkeley, 1975) abandonaram o otimismo de Bacon e Descartes e se
voltaram para o misticismo oriental. "Realidade" é uma fórmula de
bruxaria, assim como "Santíssima Trindade". Os realistas são os
últimos adeptos de uma velha religião, charmosa mais ingênua.</i>

terça-feira, 12 de novembro de 2013

[...] A FELICIDADE NÃO  TEM  ENDEREÇO

:: txt :: Franck Santos ::

Recebi a visita de uma tia que mora no Sudeste. Fomos a uma vila de pescadores comprar artesanatos, frutos do mar e olhar os barcos. No fim de tarde, choveu e uma neblina atípica para a cidade e um lindo arco-íris nos saudou na volta para casa. Paramos na auto-estrada, numa chácara, para apreciarmos o espetáculo da natureza e tomarmos chocolate quente, saborear bolos típicos e nossas presenças. Falamos do jantar que faríamos com os peixes e os camarões, frescos, recém-comprados, do vinho que nos esperava, do calor e do colorido que nos encantou das mantas, redes e roupas embrulhadas para presentes.

Recebi um telefonema de um amigo, no domingo, quase noite. Estava no aeroporto, minha tia ia partir, talvez retorne no próximo ano e teremos o mesmo ritual de passeios, compras e jantares. Como se com isso tivéssemos um acordo, um pacto silencioso. Mas o meu amigo convidava-me para irmos ao circo, convite incomum desse que curte baladas e outros leros. O ir ao circo me remeteu a infância, no interior, quando ia ao circo ou cinema com meu pai; quando voltávamos de mãos dados, calados, nas ruas quase desertas daquela cidade pequenina, daquelas noites, tudo pra mim tão mágico e encantador.

Recebi um convite para viajar. Uma semana viajando com amigos, de carro, até uma praia quase deserta no litoral do Piauí, Delta do Parnaíba. Quero essa aventura de sol, sal, brisa, areia; quero uma semana regada com papos e companhia e aconchego de amigos de décadas. Assim, sem lenço e sem documentos, mas a sensação da busca da felicidade...

Essa mesma felicidade que recebi de três formas distintas nesta semana, sem receitas, sem menu. Ela, a felicidade, chegou com uma pessoa querida, com um circo e suas lembranças, com uma viagem de amigos. Recebi a felicidade e ela não tem endereço, reside na casa das possibilidades, essa semana ela aportou por aqui.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

[overmundo] SOM NA VITROLA

:: txt :: Carlos Emerson Jr ::

"Vamos ser realistas: o vinil não renasceu, há poucas pessoas ouvindo
esses discos. O vinil depende do petróleo para a sua produção, então
não há justificativa para que ele volte. Mas os Lps ainda soam
maravilhosamente bem. Os CDs têm um som aceitável, mas só se forem bem
produzidos. E o som dos MP3s também passa, não é nada de mais. Quando
comecei a minha carreira, nós ouvíamos música pelo rádio, e era sempre
ruim. Nossas primeiras vitrolas eram uma porcaria, e aí os discos
também não soavam bem. Mas era a música que importava – procurá-la,
encontrá-la, tomar posse dela. E a tecnologia fez com que isso ficasse
muito melhor hoje."

Com essas palavras, Pete Towsend, o eterno guitarrista do The Who, em
entrevista para o O Globo, resumiu a relação com a música
(principalmente o rock) e os meios físicos para ouvi-la, a partir dos
anos 60. Meu primeiro disco foi um compacto simples dos Beatles, que
toquei à exaustão numa vitrola semiportátil Emerson (nada a ver
comigo, por favor), verde e branca e um som de... vitrolinha mesmo.

Poucos amigos tinham em casa um aparelho de som de qualidade, os
famosos Hi-Fi (High Fidelity), como dizíamos à época. E mesmo assim,
ainda havia o problema do vinil, eternamente de baixa qualidade em
nossa terra brasilis. Até hoje lembro de minha surpresa quando fui
apresentado a um LP "Made in England", no Telefunken de um colega de
escola. Aquilo era inacreditável!

A evolução do rock, de uma certa maneira, acabou provocando uma
reação da indústria de áudio e, de repente os equipamentos de som era
tão importantes quanto a música. Aliás, acho que foi nessa época que
surgiram os chamados "audiófilos", pessoas fanáticas por som,
inclusive, acima da própria música.

Cheguei a ter em casa uma parafernália enorme com duas loudspeakers
gigantescas, pré e power amplifier, tuner FM, belt-drive turntable com
Shure cartdrige, tapedeck Dolby e, é claro, headphones. Tudo em
inglês, por favor. Mas nem tudo eram flores: A vizinhança vivia
reclamando da altura do som e os preços dos equipamentos, importados
nem Deus sabe como, eram estratosféricos.

Bons tempos, mas sinceramente não sei se tenho saudades. A tecnologia
avançou de tal modo, que hoje nem me dou mais ao trabalho de baixar ou
comprar um arquivo de música digital. Simplesmente assino serviços de
música streaming, ou seja, por um valor mensal bem baixo, tenho acesso
pelo computador, tablet ou smartphone a mais de vinte milhões de
canções de todos os gêneros possíveis.

E tem mais, posso montar coleções e playlists e ouvi-las offline pelo
iPhone, principalmente quando estou correndo. O mais bacana é que
consegui, finalmente, recuperar discos que mal tinha ouvido nos anos
60, verdadeiras raridades que sumiram completamente do catálogo das
gravadoras. Resumindo, voltei a ouvir música como fazia nos anos 60,
mas com alguma educação musical e um acervo gigantesco à disposição.

Tenho pesquisado muito as primeiras gravações de bossa nova de
artistas brasileiros e estrangeiros, um gênero que abominava na época!
Descobri algumas pérolas de Odete Lara, Maysa, João Donato, Baden
Powell. Voltei a curtir Chopin, Debussy, Mozart. E, é claro, foi com
enorme alegria que separei toda a discografia de grupos progressivos
alternativos para
ouvir com todo o cuidado.

O streaming é isso, um tipo de rádio com muita música. Será a mídia
"física" do futuro? Ou já é a do presente? De qualquer maneira, o que
importa mesmo é que músicos como os do The Who, Pink Floyd, Beatles,
Stones, a turma do Jazz e Blues e tantos outros continuarão nos
emocionando com seus belíssimos trabalhos, mesmo que para ouvi-los
precisemos de uma velha vitrolinha.

O que importa é a arte. Sempre.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

[over12] SACI x BRUXAS: NACIONALISMO E FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

::txt::Jucazito::

Todo dia 31 de october é o mesmo mimimi nas redes sociais: que devemos festejar o saci, e não o dia das bruxas, pois isso fere nossas tradições nacionais ao alimentar uma imposição cultural americana. Vamos lembrar alguns fatos. Essa comemoração vem de longa data, antes mesmo do descobrimento da América. Sua origem é celta, não é americana. E as bruxas, é bom lembrar, foram uma das inúmeras vítimas do cristianismo, até hoje o uso do termo bruxa tem conotação perojativa.

Essas manifestações na rede trazem à tona um nacionalismo xenófabo e um fundamentalismo religioso. Não esqueçamos que as línguas originárias do Brasil deixaram de ser faladas, a não ser, claro, por pouquíssimas aldeias que resistem ao progresso, porque no Império proibiu-se de usar esses idiomas, estabelecendo-se uma lei onde obrigava-se a falar somente português. Trago essa lembraça, pois há algum tempo, um deputado do PSEUdoB queria proibir expressões estrangeiras.

Pra quem se proclama libertário sem fronteiras, aderir a esse nacionalismo e ao fundamentalismo religioso é da mais pura contradição. Assim como querer pular num pé só, pra se dizer brasileiro, mas ao mesmo tempo prefere ouvir Beatles ao invés de Luan Santana, ambos crias da indústria cultural. Porque não larga o Marlboro, o iPad, o Bob Dylan, a Heinecken e passa a consumir somente produtos nacionais? Coerência, antes de sair por aí com esse papo furado de extrema direita, xenófabo e preconceituoso.

E que as bruxas tenham seu dia lembrado de outra forma, talvez, trazendo pra luz do debate todo mal causado desde há tempos pela Igreja Católica a tudo aquilo que não está dentro do seu padrão imposto como sagrado. E, só pra provocar, hoje nasceram Dunga e Van Basten, dois renomados atletas do futebol. É claro que meu louvor fica com o holandês, muito mais craque e cidadão do que esse babaca mal humorado que tem nome de um personagem estrangeiro!

[...] MORRI

::txt::Jucazito::

morri
faz um ano
não me engano

ouvi
num abano
cão beltrano

comi
sob um pano
pão vegano

corri
de um insano
são caetano

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

[a vida como ela noé] CONFISSÕES

:: txt :: Paulo Wainberg ::

Eu confesso que não sou cem por cento uma boa pessoa. Muitas vezes, sou mau.

Eu confesso que a maioria dos meus amores não foram correspondidos, mas o que foram valeram a pena.

Eu confesso que o dinheiro nunca foi uma prioridade, e isto foi um erro.

Eu confesso que fui preguiçoso, desleixado e irresponsável, mas sempre me preocupei.

Eu confesso que quando estou escrevendo, sempre paro para jogar paciência Spider.

Eu confesso que todas as minhas paixões sempre foram proibidas.

Eu confesso que chupei bico até os oito anos, mas nunca suportei leite.

Eu confesso que tenho seis personalidades conhecidas e noventa incontroláveis.

Eu confesso que nunca confessei nada que fosse verdade.

domingo, 27 de outubro de 2013

[...] LOU  REED

:: txt :: Júlio Freitas::

O padrinho do punk se foi. Aquela pequena cena artística da qual fez parte na década de 60 tornou-se um momento revolucionário da música. Velvet Underground, Ramones, MC5, Stooges, New York Dolls, Patti Smith Group, além da Factory, de Andy Warhol, local de experimentações artísticas regadas a drogas pesadas.

Venus in Furs, tratamento de choque, cabeças em alto-falantes, shows em conveções psiquiátricas, lobotomias frontais. Hey babe, take a walk on the wild side!

"Rock & roll é tão fabuloso, as pessoas deveriam começar a morrer por ele. Você não está entendendo. A música te pôs de novo no ritmo pra que você pudesse sonhar. Uma geração inteira no embalo de um baixo Fender...

As pessoas simplesmente devem morrer pela música. As pessoas estão morrendo por tudo o mais, então por que não pela música? Morrer por ela. Não é bárbaro? Você não morreria por algo bárbaro?

Talvez eu deva morrer. Além do mais, todos os grandes cantores de blues morreram. Mas a vida está ficando melhor agora.

Não quero morrer. Quero?"

Lou Reed

terça-feira, 22 de outubro de 2013

[bolo'bolo] CRONOGRAMA PROVISÓRIO

Se tudo correr bem, bolo'bolo pode estar realizado no fim de 1987.*
Nós mesmos somos responsáveis pelos atrasos. O roteiro seguinte pode
ser útil para julgar nosso progresso:

1984 - Panfletos de bolo'bolo, selos, posters e marcas estão
espalhados pelo mundo nas principais línguas. Nós-dysco-ABC se
desenvolvem em muitas vizinhanças, cidades e regiões, são feitos
contratos de auto-suficiência. Surgem os primeiros trico-nós. Alguns
dyscos se transformam em pioneiros bolos experimentais. Em alguns
bairros pessoas estudam a utilidade prédios e espaços para os bolos,
centros de troca e coisas assim, e fazem outros planos provisórios.
Mais e mais ruas são bloqueadas ao trânsito de automóveis. A Máquina
política passa em toda parte por crises de legitimidade, e tem
problemas para manter o controlo. Órgãos do Estado cumprem suas
funções repressivas desatentos e relaxados.

1985 - Existem redes dysco e trico, cumprindo tarefas cada vez mais
práticas e cotidianas: ajuda mútua para comida, ajuda planetária, a
criação de relações de troca entre fazendeiros e dyscos rurais. Em
algumas regiões pequenas a Máquina perde sua influência e áreas
bolo'bolo independentes crescem despercebidas. Os aparatos do Estado
sofrem ataques substrutivos.

1986 - Regiões maiores se tornam independentes, entre outras, no
Oregon, Tadjiquistão, Saxônia, Gales, Suíça, Austrália, Gana, Bocaina,
Goiás, Nessas áreas a agricultura é modelada pela auto-suficiência,
constroem-se estruturas de bolo'bolo, o intercâmbio planetário se
fortalece. Até o fim do ano existe um mosaico planetário de regiões e
cidades autônomas (vudo), bolos independentes, sucatas da Máquina, de
Estados amputados e de bases militares. Estouram desordens
generalizadas. A Máquina tenta esmagar os bolos militarmente, mas as
tropas se amotinam. Os dois Superpoderes desistem do seu joguinho de
blocos e se unem na EERU (Estados Estáveis e Repúblicas Unidas). A
EERU constrói uma nova e descontaminada base industrial, Monomat, na
Ásia interior.

1987 - Os sistemas internacionais de transportes e comunicação entram
em colapso. Duzentas regiões autônomas promovem sua primeira convenção
planetária (asa'dala) em Beirute. Elas concordam em restabelecer o
sistema de comunicações em novas bases. A EERU fica limitada a
Monomat, e o resto do mundo sai fora do seu controle. No outono haverá
auto-suficiência por toda parte e sistemas planetários de ajuda mútua
em emergências. A fome e o Estado são abolidos. Até o final do ano os
trabalhadores de Monomat desertam e escapam para a zona bolo. A EERU
desaparece sem dissolução formal e sem ter queimado a sua bandeira
vermelha e branca com a estrela azul.

1988 - bolo'bolo

2345

2346 - bolo'bolo perde sua força à medida que "os brancos" (um tipo
de epidemia cultural) se espalham e substituem todos os outros tipos
de bolos. bolo'bolo cai numa era de caos e contemplação.

2764 - Início de Yuvuo. Todos os registros da pré- história (até
2763) foram perdidos. Tawhuac põe outro disquete no drive.

* A edição original de bolo'bolo, suíça, é de 1983.

domingo, 20 de outubro de 2013

[...] NO  BAR

:: txt :: Itamar Ifarraguirre Neto ::

Ao bar de sempre numa noite envolvente de sexta-feira. A meia luz da lua com um sorriso, num céu escuríssimo. Várias pessoas vão a algum lugar estratégico para se distrair: esquecer os empecilhos da vida e esvaziar os balões da imaginação. ''Cada vez mais meios para viver, mas nenhuma razão pela qual viver’’. Grita um homem ‘’alto’’ perto do banheiro, encostado na parede quase babando e desinteressado em voltar para casa. Aí, sorvo a minha cerveja bem gelada e aperto os lábios molhados. Isto, sim, uma sensação de alívio, o peso do corpo parece que evapora como uma velha melodia de música nos ouvidos. E, olhos ocupados assistindo a tv; o ouvido acompanhando zunido das conversas em vários ângulos do estabelecimento.

Todos meus amigos da empresa bebem e sorriem e berram. Parece um ritual primitivo sob um conjunto de símbolos interpretativos repetitivos sem nenhuma informação, ou algo não louvável. Todavia, ninguém é obrigado entender as mensagens subtendidas do seu cotidiano, inúmeras mensagens recebem sem ao mesmo pensá-las. Portanto acaba-se a perda de significado de sua própria existência de espaço, tempo e mente.

sábado, 19 de outubro de 2013

[...] BLACK BLOCK

:: psy :: Chacal ::

o capitalismo aderna e naufraga. o capitalismo faz água. baumaniemos: o neoliberalismo, forma terminal do capitalismo, se baseia no consumo, na concentração de renda e na exclusão. qual o papel do estado? vigiar e punir (nenhuma “autoridade” se manifesta contra a violência da polícia. muito menos a mídia). as mega incorporações (bancos, indústrias, empreiteiras, etc) dão as ordens. elas não tem cara. seu maior disfarce. a mídia e a segurança pública, seus paus mandados.

o mundo se globalizou faz tempo. tanto a ação quanto a reação. brasil, turquia, países árabes, espanha, new york, tudo a mesma luta contra o neoliberalismo excludente terminal. as armas e os métodos da polícia, a estratégia da mídia, criadora de mentiras q viram verdades, são transnacionais. de outro lado, os governos populares da américa latina, os sit-ins, os black blocks, a descentralização do comando, as redes sociais, tudo se espalhando pelo mundo.

gostaria de calar e dormir, mas como astrofísicos, quando descobrem que a luz pode ser onda e partícula ao mesmo tempo e que a linguagem, baseada no isso ou aquilo, não dá conta de expressar, astrofísicos que não conseguem calar, querendo anunciar paratodos suas descobertas.

a polícia apresenta suas armas. não sei bem como driblá-las. a união de milhares de pessoas e as urnas são nossas poucas armas. a vida combatendo a morte. faz bem se alimentar bem para manter a saúde, o discernimento, o entusiasmo. e vamos pra cima. a vida pode mais que a morte.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

[agência pirata] ABC DA DESINFORMAÇÃO

:: txt :: Olavo De Carvalho ::

Psicologicamente, Pearl Harbor é ainda hoje um símbolo aglutinador do patriotismo americano, mas, em termos substantivos, foi uma tremenda vitória da
desinformação soviética.

Para quem zela pela sobrevivência do seu cérebro num tempo de naufrágio universal da inteligência, nada mais urgente do que compreender o que é realmente “desinformação”. O uso corrente da palavra como rótulo infamante para denegrir qualquer opinião adversa é garantia segura de que as verdadeiras operações de desinformação passarão despercebidas, condição necessária e quase suficiente do seu sucesso.

Só há dois tipos de desinformação genuína, e cada um deles requer muito mais planejamento e execução cuidadosa do que o mero vício jornalístico de espalhar mentirinhas ideologicamente sedutoras.

O primeiro tipo – e, de longe, o mais importante – é aquele que tem como alvo não o público em geral, a massa ignara, e sim os homens do poder, os que tomam decisões de grande alcance. Dificilmente uma dessas criaturas se deixa orientar pelo que sai na mídia popular. Para influenciá-las é preciso colocar no seu entourage (ou conquistar mediante suborno, chantagem etc.) assessores técnicos que sejam da sua plena confiança. E mesmo estes têm de ser muito
prudentes no manejo do fluxo de informações que levará seus chefes a tomar as decisões erradas, favoráveis ao inimigo que controla de longe a situação. A importância dessas operações é imensurável, muito mais do que o cidadão comum pode imaginar, e ninguém foi (e é ainda) mais hábil em manejá-las do que a boa e velha KGB (atual FSB). Graças à pletora de documentos secretos revelados após a queda da URSS, hoje sabe-se que desde os anos 40 os agentes soviéticos moldaram a seu belprazer algumas das principais decisões estratégicas do governo de Washington no cenário internacional, induzindo-o a trabalhar contra os interesses mais vitais da nação americana.

O exemplo mais claro e didático está no livro Operation Snow: How a Soviet Mole in FDR’s White House Triggered Pearl Harbor, de John Koster (Regnery, 2012). “Mole” (toupeira) é, no jargão dos serviços de inteligência, o termo técnico que designa o agente infiltrado. A toupeira, no caso, foi Harry Dexter White, alto funcionário do Tesouro, homem de confiança de Franklin Delano Roosevelt e, como os documentos comprovam, agente soviético.

A situação era a seguinte em 1941. O governo militarista e expansionista do Japão estava dividido entre duas correntes: uma queria retormar a velha guerra com a Rússia. A outra queria ajudar os nazistas contra as potências ocidentais. A Rússia, sob ataque alemão desde junho, não podia oferecer resistência eficaz aos japoneses do outro lado do território. Profundo conhecedor da língua, da cultura e da política japonesas, e colocado, ademais, numa posição desde a qual podia facilmente influenciar as decisões econômicas do governo Roosevelt, Harry Dexter White foi contratado pelos soviéticos para criar artificialmente um conflito entre o Japão e os EUA. A seqüência de memorandos e estudos estratégicos com que ele remoldou para pior as relações econômicas entre os dois países foi uma obra de gênio, levando Roosevelt a impor às importacões japonesas de petróleo limitações drásticas que do ponto de vista americano pareciam simplesmente razoáveis, mas que no contexto japonês, e em língua japonesa, soavam como verdadeiras declarações de guerra. O Japão respondeu com o ataque a Pearl Harbor em 7
de dezembro de 1941 – não por coincidência, um dia depois que a Rússia, livre da ameaça nipônica, lançava aos alemães um contra-ataque maciço.

Psicologicamente, Pearl Harbor é ainda hoje um símbolo aglutinador do patriotismo americano, mas, em termos substantivos, foi uma tremenda vitória da desinformação soviética.

O outro tipo de desinformação é antes uma obra de engenharia social. Não se dirige ao governo para moldar suas decisões, mas, ao contrário, vem do governo e de seus centros de poder associados e desce para a massa popular, depois que as decisões já estão tomadas e é preciso, para implementá-las, conquistar o apoio do eleitorado, mantê-lo na total ignorância do que os altos círculos estão fazendo ou ajustar sua conduta aos padrões exigidos pela nova política.

Pode-se chamar esses dois tipos de micro e macrodesinformação. As dificuldades são consideráveis em ambos os casos, mas de natureza bem diversa. Se o primeiro é inviável sem o máximo de sigilo e o manejo fino do fluxo de informações, o segundo requer o controle completo dos meios maiores e mais prestigiosos de difusão, podendo no entanto coexistir com alguma contestação menor – ou marginal -- que, estatisticamente, não afete os sentimentos da massa popular.

No Brasil essa condição é facílima de alcançar, pois a grande mídia foi sempre dependente de verbas governamentais e não se atreve a morder a mão que a alimenta. Foi assim que os maiores jornais e canais de TV consentiram em ocultar a existência do Foro de São Paulo até o momento em que, dominador completo da situação continental, este já podia se exibir em público sem maiores riscos.

Nos EUA a coisa teve de ser precedida de um longo e complexo processo de concentração da mídia nas mãos dos grupos globalistas que hoje disputam com a Rússia as afeições do bloco islâmico. Quando esses grupos colocaram Barack Hussein Obama no governo para minar o poder nacional dos EUA e operar um giro de 180 graus na política externa americana, fazendo do antigo aliado de Israel o maior protetor que os radicais muçulmanos já tiveram no Ocidente, a mídia já estava preparada para ocultar não somente a biografia altamente comprometedora do presidente, mas até algumas das suas executive orders mais ambiciosas e daninhas, que entram em vigor sem que a população fique sabendo de nada.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

[nem te conto] ZÉ PRETO

:: txt :: Aleilton Fonseca ::

Ninguém dava atenção a Zé Preto, mas ele e seu cachorro insistiam em me reconquistar com seus olhos penitentes. Tudo, no entanto, havia mudado. Eu já não dispunha de tempo livre como antes. Adulto, agora eu vivia apressado, cheio de tarefas no escritório. Mas insistiam, como se eu pudesse interceder por eles, em busca de um lugar em que ainda coubessem no mundo. Sempre juntos, o velho manso, com seus passos miúdos, e o triste escudeiro, de olhos não ferozes e cauda intranqüila, que nem se atrevia a latir. Guardavam-se de maiores maltratos, de maus olhos, certas pedradas e quais descasos. Pior: agora estavam ameaçados de despejo. Queriam pôr Zé Preto no hospício e o cachorro porta afora. Entretanto, como separar tais criaturas que só sabiam existir um para o outro?

A vizinhança, totalmente renovada, agora os desconhecia. Queriam varrer os pobres da tapera triste, em plenas formas arruinadas por chuva, sol e janeiros. Eles eram considerados uma mancha feia naquela rua que cada vez mais se tornava chique. Os novos moradores os rejeitavam, pois que eram, muitos deles, bem empregados, alguns cheios de empáfia aos ventos. De fato, não era mais uma rua de gente pobre, como durante tantos anos, desde que Zé Preto se amoitara naquele canto. Ele era de outras datas, na época das velhas vizinhanças. Desde sempre bem aceito e tratado, davam-lhe de comer, beber, vestir e remediar. Até sorrisos lhe sobravam. Minha mãe, enquanto viveu, esteve atenta a esses cuidados. Para ela, zelosa dos vizinhos mais humildes, Zé Preto era uma devoção diária. Como fornecia marmita, mandava-me levar o almoço e a janta dele. Eu entregava o embrulho, com dois pratos fechados, um contra o outro, enrodilhados num pano de cozinha.

Zé Preto também recebia atenção de outros vizinhos. Tanto que não precisei continuar os cuidados; ele se arranjava com outras pessoas. Daí que fui esquecendo dos velhos tratos e, raramente, o via. E eram cada vez mais remotas suas aparições na rua. O cachorro certamente era outro, mas parecia o de sempre. Se me avistavam, insistiam em chamar minha atenção. Eu, no entanto, desviava deles os olhos e os passos. Cuidava de minha vida. Esse homem, eis um ser discreto. Naquele tempo, ninguém triscava num sequer detalhe de sua história. Era sempre assim, de seu jeito, sem nenhum motivo que se comentasse. Provado manso, era circunspecto, por vez risonho, sobretudo divertido com as crianças. Ele gostava de brincar. Fazia carrinhos de madeira, toscos, desengonçados, que arrastava pela rua, barulhando. Ora engendrava algo como se parecesse um avião, um catavento de lata, que, se não voava, ao menos divertia ao rodopiar pelo terreiro.

Certas vezes, Zé Preto saía correndo pelas ruas, nas mãos uma tampa de lata, qual fosse um volante; buzinava e fazia ruído de motor com a boca. Era o perfeito homem acriançado, bom de se gostar, sem travos nem receios. Os meninos íamos colher balas para guerra nas mamoneiras do seu quintal, sem que isso somasse riscos ao zelo das mães. Zé Preto era ajuizado, de confiança, incapaz de malfeitos ou abusos. Todos gostavam dele. Dia a dia, o tempo salta e as pedras rolam. Os meninos da vizinhança crescemos, os velhos morreram. Muitos se mudaram, venderam as posses, foram-se embora. A cidade crescendo sempre, a rua foi ganhando novos donos, outras feições, pontos de comércio, asfalto, carros e transeuntes; uma gente estranha e apressada, em busca de outros tratos de viver e morar. Diante dos novos jeitos da rua, Zé Preto e sua casa foram-se tornando estranhos, exóticos, — ruínas indesejáveis.

Um boato ganhou as esquinas, correu a rua de ponta a ponta. Não achavam certo semelhante pessoa enfear a paisagem, ali morador, no horrível casebre em ruínas, cercado de mato. Aquilo desvalorizava a rua e as casas vizinhas. Era algo ruim de se ver, conviver e aceitar. Diante do caso, voltei a me preocupar com o velho amigo. Dei-me conta de que eu era o único remanescente dos jogos de gude, das brincadeiras de bola, picula e empinações de arraia, agora impossíveis na rua movimentada. Daqueles tempos, só eu e Zé Preto restávamos. Entretanto, mantive-me discreto, ao largo dos comentários. Mas os mentores da campanha vieram me pedir apoio para desalojar o homem dali. Ora, eu não podia compartilhar uma ação contra Zé Preto. Discordei, defendi seu direito de permanecer no lugar. Eu trazia do tempo de infância uma atenção silenciosa pelo velho, e agora indesejado, morador da rua.

O fato me avivou a memória. De vagos registros, em calças curtas, me lembrava de haver brincado em seu terreiro, em seu quintal aberto. E mais: eu me via em seu colo, minha mãe perto, mas nem aflita, pedindo, com muita calma, que ele me pusesse no chão. Ze Preto, então jovem, ria de me haver em seus braços. Um dia me levou para sua casa, para desespero discreto de minha mãe. Eu tinha uma vaga idéia de seu estranho lar por dentro, onde havia latas dependuradas, pequenas caixas de papelão, trastes espalhados — que me pareciam uma arte de fazer ruídos. Brinquei com aquelas coisas; bati lata com lata, juntei pedra com pedra, armei pilhas de gravetos, combinei cacos de vidro. Ele, muito atento, quase sempre calado, só me olhando e rindo. No seu tom encabulado, me dizia baixinho: "Oh, Zefizim".

Minha mãe tinha muito cuidado. Preenchia os tratos comigo, limitava meus vôos, vigiava-me os passos, quedas, cismas e vontades. Era rígida no trato, e firme nos exemplos. Mas aceitava que eu errasse, desde que soubesse o quanto, como então me explicava. Eu crescia pelos terreiros, de rua a rua. Zé Preto de vez em quando me tomava pelo braço, me dava os estranhos brinquedos de lata e de madeira, sem nenhum sentido de uso que eu imaginasse. Eram só mesmo de se pegar ou fazer barulhos. Minha mãe procurava evitar, escondia-me dele, dizia que eu estava na escola. Mas o vizinho acercava-se de nossa janela e me chamava pelo apelido inventado: — Oh, Zefizim, vecê vem cá, vem brincar com eu, vecê vem... O bom amigo, de voz e passos mansos, flagrava às vezes a inverdade. Seus olhos brilhavam, quando me descobriam. E eu, sem saber que minha mãe reprovava nossos encontros, até gostava de entrar naquelas ruínas. Eu tomava bons borrifos de chuva, boa aragem de vento, naquela ex-casa, quase mesmo a céu aberto.

O tempo agora era outro. Mas como eu poderia ser contra Zé Preto? Jamais. Ignorei o problema, embora notasse que as pessoas estavam determinadas a expulsá-los dali. Só espreitavam um pretexto, um deslize assim que fosse. Insinuavam que eram perigosos, que ameaçavam os passantes. Mentiras! O velho e o cachorro, amoitados no casebre, vigiavam a rua de longe, adivinhando os perigos através das frinchas das paredes arruinadas. Um dia aconteceu o pior. Eu estava no escritório quando recebi um telefonema revelando o inexato. Eu fosse até lá urgente. Davam conta de que Zé Preto havia seqüestrado o filho da nova vizinha, levando-o para sua casa. As pessoas, instigadas contra ele, posicionavam-se em atitudes agressivas. Chamaram a polícia e reclamaram providências para, segundo diziam, salvar a criança das garras do doido perigoso. Eu corri de imediato para acudir Zé Preto. Era urgente livrá-lo daquele apuro. Eu sabia que ele, certamente revivendo estórias, queria apenas agradar o menino. Talvez sentisse saudade de brincar comigo.

Infelizmente, cheguei na hora máxima do tumulto. E não consegui evitar a tragédia. Alguém havia visto o cano de uma arma apontada para a rua, desde as ruínas. Houve correria, gritavam que Zé Preto ia atirar. Na confusão, ouviram-se dois tiros. E depois só silêncio e sobressalto. Imediatamente, corri para o casebre e vi a mesma cena que eu, em criança, também protagonizara. O menino, de uns cinco anos, entretido com os estranhos objetos, empunhava a velha arma de brinquedo. Ele havia apontado a arma para a rua pela grande frincha da parede. De imediato, vi Zé Preto caído, seus frangalhos de roupa tingiam-se de vermelho. Na aflição, gritei que o tinham matado. Mas ele ainda estava morrendo. Corri para tentar ajudá-lo, em vão. Ele se apagava rápido. Ainda olhou piedoso para mim e para a criança, e murmurou sua velha frase, quase inaudível: "Oh, Zefizim". E calou, sem expressão nos olhos úmidos.

Ajoelhei-me sobre ele, angustiado, e fechei seu olhar vazio. Zé Preto, morto. Eu fiquei perplexo, uma vida inteira ia repassando em minha memória. De pé, eu olhava o seu corpo, custava-me acreditar. O cachorro, num canto, acuado, rosnava baixinho. Apanhei o menino, trouxe-o para fora das ruínas. A mãe, em prantos, arrebatou o filho de meus braços e o apertou ao peito. A multidão em volta estava em silêncio, depois irrompeu, num vozerio abafado, com diversos comentários. Zé Preto estava morto. A pior coisa estava feita, por dúvidas de um ato suspeitoso ou premeditado. Voltei às ruínas, e vi o velho cachorro junto ao dono. Lá fora, os curiosos se dispersavam. Eu me sentia num viés, entre uma grande perda e uma enorme culpa. Eu me atrasara por longos anos ou por um eterno minuto? Zé Preto foi declarado morto em tumulto, num crime de autoria desconhecida. Fui ao centro, falei com autoridades e nada obtive de certo. Apenas aceleraram os papéis e dispensaram outras praxes. Um ser humano, morto de modo tão mesquinho, e constou que era apenas um doente mental sem dono. Eu, único vizinho do tempo em que Zé Preto era bem-quisto, sentia agora o dever de cuidar dele como se fosse gente minha. Tomei as providências normais para o seu enterro.

Entretanto, não fiquei sozinho nessa missão. Um homem grisalho, de jeito muito humilde, apareceu para cuidar do morto. Chegou trazendo um caixão simples numa carroça. Eu o acompanhei. Ele parou, me olhou fundo, apertou os olhos e indagou:

0. Eu conheço o senhor de algum lugar?

1. Creio que não — respondi convicto.

Ao ver o morto, o homem murmurou:

0. Coitado de meu irmão.

Surpreso, examinei bem os seus traços. De fato, ele se parecia com Ze Preto, só que normal, sem aquele ar vago e manso, embora fosse um tipo circunspecto, sem dar trela a conversas compridas. Com minha ajuda, limpou o corpo do irmão, vestiu- lhe um traje que trouxera num embrulho. Daí fez a barba do morto, aparou seus cabelos, dando-lhe uma feição nova que me pareceu estranhamente familiar. Em silêncio, preparamos o corpo e o ajeitamos no caixão. Ficamos ali, de guarda, durante algumas horas, num estranho e solitário velório. Sem uma palavra. Ele rezava em silêncio, e eu apenas recordava as boas passagens da vida.

No fim da tarde, colocamos o esquife na carroça e nos dirigimos ao cemitério. Tantas vezes eu levara alimento a Zé Preto. Agora uma prece lhe bastava. No fim do ato, quando acabamos de juntar terra à cova, o homem estendeu-me a mão. Ele me agradecia e, por fim, me indagava: — O senhor sabe o que é feito do filho de José de Arimatéia de Jesus? — De quem? — eu estranhei. Ele repetiu seu olhar para mim, firme, apontando para a sepultura com o queixo:

- De meu irmão.

- E ele teve um filho? — eu me espantava.

— Sim... Quando moço, ele teve um filho com uma vizinha. Engoli em seco; balancei a cabeça negativamente. Ali mesmo nos despedimos. E eu prossegui minha vida, sempre calado, até que as palavras começaram a ressurgir com sutis insinuações. Aquelas ruínas me chamam, e eu preciso juntar pedra com pedra, arrumar os gravetos, combinar os cacos de vidro.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

[agência pirata] TULA PILAR, ENTRE A POESIA E O BOLSA FAMÍLIA

:: txt :: Ana Aranha ::

Tula Pilar Ferreira gosta de se arrumar para sair de casa. Afivela a sandália, passa hidratante nos braços e nas pernas, combina o par de brincos com as cores da saia ou da faixa no cabelo.

Uma vez por mês, porém, o rito se inverte. Pilar escolhe uma camiseta surrada, calça o sapato mais velho (pisando o calcanhar na parte de trás), prende o cabelo e puxa alguns fios para cima, como se estivessem desleixadamente soltos.

O ritual às avessas começou no início do ano, quando ela foi recusada pelo posto de atendimento do programa Bolsa Família. Pilar recebe R$ 64 mensais como complemento de renda para criar a filha de 7 anos e o filho de 16. “A mulher me olhou de cima a baixo”, lembra, imitando a surpresa que viu no rosto da funcionária. “Primeiro, disse que ali era o Bolsa Família, como se eu tivesse no lugar errado. Quando eu expliquei que era cadastrada, ela disse que o posto estava fechado”.

Pilar foi embora. Voltou no dia seguinte, no mesmo horário, mas vestida com roupas velhas. Foi atendida. Desde então, ela usa o “disfarce” sempre que precisa verificar o seu cadastro. Disfarce porque, embora tenha dificuldades para pagar as contas da casa, a sua figura é o avesso do estereótipo procurado pelos olhos da funcionária.

Pilar é uma poetisa de sorriso largo. Faz sucesso nos saraus da periferia de São Paulo e comanda alguns deles no centro da cidade. Nesses eventos, ela recita seus versos preferidos (alguns deles parte dos seus escritos da “poesia erótica”) e dança ao som de percussão.

Seus poemas foram publicados em um livro artesanal: Palavras Inacadêmicas. Uma coletânea de poemas provocadores, como a autora. Vaidosa, esconde a idade. Depois de alguma insistência, e tentativas de cálculo a partir do nascimento da filha mais velha, ela concede: “sim, mais de 40”.

Pilar começou a escrever aos trinta, depois de trabalhar por mais de duas décadas como empregada doméstica e passadeira. Ela não via futuro nas casas de família e lavanderias, mas levou alguns anos tomando coragem para dar o salto e deixar o emprego fixo.

Hoje, apesar do espaço conquistado, ela paga um preço alto por sua escolha. Nesse momento, deve dois meses de telefone e energia. Se não pagar, a família ficará no escuro de novo – já ficaram seis meses sem luz. Para as refeições semanais, Pilar garante arroz, feijão e legumes. Carne só no fim-de-semana. Eles moram em Taboão da Serra, divisa com a capital paulista. A casa alugada tem uma varanda, cozinha, sala, banheiro e um quarto, que ela divide com os filhos.

A fase mais difícil foi no começo da mudança, quando tentava entrar no mercado da produção cultural. Pilar fazia bicos como vendedora de jazigo e de ingresso de teatro, mas não conseguia pagar o aluguel. Enquanto a proprietária ameaçava despejo, ela perambulava pela cidade com uma maçã no estômago, tomando água para “inchar a fruta na barriga”, ensinamento da sua mãe para enganar a fome.

Foi em uma dessas saídas que, no auge do desalento, encontrou um caminho. Exausta, sentou sob o vão do MASP e se deixou “chorar como uma criança”. Entre as lágrimas, viu um sujeito distribuindo algo e foi até ele: “Moço, essa empresa paga pra distribuir?”

Assim descobriu a revista Ocas , publicação produzida por jornalistas e escritores voluntários para ser vendida por moradores de rua, que ganham R$ 3 por edição. Convidada a participar do projeto, esclareceu que não era moradora de rua, mas ouviu do vendedor: “não é agora, mas logo vai ser”.

A frase lhe chacoalhou e Pilar agarrou a chance. Passou a ser vendedora e, depois, coautora de textos da revista, o que projetou seu nome no meio da chamada cultura alternativa. Com talento, e graças à nova rede, passou a ser convidada para cursos e saraus remunerados. Assim, conheceu a África do Sul durante a Homeless World Cup (Copa Mundial Sem-Teto) e foi entrevistada no programa Provocações, conduzido por Antônio Abujamra, na TV Cultura.

A escolha lhe dá satisfação pessoal e profissional, mas ainda rende sérias dificuldades financeiras. Por isso, conta com os 64 reais mensais do Bolsa Família. Não sem conflito. Na primeira vez que lhe perguntei sobre o benefício, Pilar achou que seria melhor não falar do assunto. “Não é que eu tenha vergonha, mas não queria receber, tem gente que pode precisar mais”.

A sua justificativa para continuar no programa pode ser uma boa reflexão para os críticos, aqueles que acham que o benefício acomoda e faz as pessoas tomarem um “caminho fácil”, abandonando a vida economicamente produtiva. “Prefiro ficar no programa, por enquanto, para poder correr atrás do que acredito, a pegar um emprego qualquer. Não quero ser como essa gente que faz o trabalho meia boca pra esperar a aposentadoria”.

O programa federal e o projeto social ajudam Pilar na batalha para construir uma carreira diferente daquela que lhe foi atribuída aos oito anos. Nessa idade, ela começou a trabalhar como babá e doméstica para uma família de Belo Horizonte, Minas Gerais, onde viveu durante a infância. Ela cresceu levando beliscões e puxões de cabelo dos patrões quando insistia em brincar. “A patroa rasgava os meus desenhos, aquilo me dava uma raiva”.

Cansada, certa vez se recusou a engraxar os sapatos e se trancou no banheiro. “Fiquei umas duas horas lá dentro. A patroa chamou o marido e ele disse bem assim: ‘sua negrinha, dê graças a Deus que a gente te dá casa e escola’”. Pilar, que estudava em um colégio público, respondeu com um grito, por trás da porta: “Eu quero voltar pra favela!”.

E voltou. Mas os patrões da infância deixaram uma marca. Desde então, ela sente as mãos tremerem quando os chefes levantavam a voz ou usam um tom mais duro. Mesmo assim, ela continuou reagindo às situações que considerava injustas, o que lhe obrigou a trocar de emprego diversas vezes.

Aos 17, mudou-se para o Rio de Janeiro, para trabalhar como babá em um apartamento na Avenida Vieira Souto, a rua da praia de Ipanema e um dos metros quadrados mais caros da América Latina. Com essa família, conheceu a Argentina e o Chile e viveu seus primeiros momentos de “glamour”, como ela gosta dizer. “Quando eu entrava nos salões com a menina no colo, todo mundo olhava. Eu era bem preta do sol, e ela ruiva, dava aquele contraste bonito. As pessoas olhavam como se eu fosse uma artista”.

Hoje, quando sente a energia dos aplausos ao fim de uma apresentação, deseja intimamente que as antigas patroas estivessem na plateia. “Queria que vissem onde cheguei”. Os aplausos são uma consagração, parte importante da vitória de sua escolha, mas Pilar sabe que sua arte ainda precisa atravessar outras fronteiras. Principalmente as cotidianas, que são as mais difíceis de alcançar.

Na semana passada, ela foi visitar a filha mais velha, que mudou-se para um apartamento no centro, deixando saudades. Dormiu na casa da filha e, no fim da manhã, não encontrou o ânimo habitual para se produzir antes de sair. No elevador, foi recebida com surpresa por uma moradora do prédio.

- Nossa, você já terminou o serviço? Que beleza. A minha leva o dia todo, coitada, está velha.

Pilar sentiu o tremor nas mãos que não experimentava há anos. Suspirou fundo e achou melhor não criar polêmica no prédio da filha.

domingo, 6 de outubro de 2013

[noéditorial] POBREMA

:: txt :: Fausto Erjili ::

Querida pomba e prezado urubu, estamos com problemas técnicos e não pude compartilhar um gíf convosco, não estou aqui para falar dos deputados federais que trocaram de partido nas últimas duas semanas motivados pela disputa eleitoral do ano que vem, ou sobre os atentados no Iraque, a destruição do arsenal de armas químicas na Síria, a liberação das vendas de iPhone 5s e 5c no Brasil, a soltura da Lauryn Hill, o Sunrise Arctic, sobre as Forças dos EUA que atacaram líder terrorista na Somália ou o que quer que seja, nem mesmo sobre a minha lendária cobertura de uma corrida de charretes na Restinga, em Porto Alegre.

Estou aqui simplesmente para mandar tudo à merda.

Fiquem em paz, irmãozinhos.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

[bolo'bolo] TRICO

A Máquina do Trabalho tem um caráter planetário, portanto uma
estratégia bolo'bolo de sucesso tem que ser planetária desde o começo.
Nós-dysco locais, regionais ou mesmo nacionais nunca serão suficientes
para paralisar a Máquina como um todo. Ocidente, Oriente e Sul
precisam começar simultaneamente a subverter suas respectivas funções
dentro da Máquina e criar novas e construtivas antecipações. O que é
verdadeiro para os três tipos de trabalhadores a nível micro também é
verdadeiro para as três partes do mundo em nível macro. São
necessários nós-dysco- planetários. Deve haver tricomunicação entre os
nós- dysco: trico, o truque trico-planetário. Trico é dysco entre nós
ABC em cada uma das três maiores partes do mundo: os países
industrializados do Ocidente, os países socialistas, os países
subdesenvolvidos. Um nó- trico é o encontro de três nós ABC locais a
nível internacional.

Antecipações dos bolos podem ser feitas fora dos governos, longe de
organizações internacionais ou grupos de ajuda ao desenvolvimento. O
contato deve funcionar diretamente entre vizinhos, durante atividades
cotidianas de todos os tipos. Pode haver um trico entre a Praça de São
Marcos, no East Village de Nova York, o no 7 da Nordeste, em Gdansk,
Polônia, e a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro; ou então
Zurich-Stauffacher, Novosibirsk Bloco A-23 e Fuma, Ilhas Fiji. Esses
nós-trico podem ter origem em conhecimentos pessoais acidentais
(viagens de turismo, etc.). Aí podem ser multiplicados pela atividade
de tricos já existentes. O uso prático do nó- trico (e deve haver um)
pode ser bem trivial no começo: a troca de bens necessários (remédios,
discos, temperos, roupas, equipamentos), feita sem dinheiro, ou pelo
menos tão barata quanto possível. É óbvio que as condições para a
troca de bens estão longe de serem iguais entre as três partes do
mundo: num trico, o parceiro do Terceiro Mundo vai precisar de um
monte de matéria-prima para enfrentar a exploração do mercado mundial.
Comunidades do Terceiro Mundo também vão precisar de muito material
para a construção de uma infra-estrutura básica (torneiras, telefones,
geradores). De toda forma, isso não significa que um trico seja apenas
um tipo de ajuda ao desenvolvimento. Os parceiros estarão criando um
projeto comum, o contato será pessoa-a-pessoa, a ajuda será adaptada a
necessidades reais e baseada em relações pessoais. Mesmo nessas
condições, a troca
não será necessariamente unilateral. Trabalhadores A num nó-dysco
darão um monte de bens de consumo (porque têm muitos), mas obterão
muito mais em bens culturais e espirituais; vão aprender sobre estilo
de vida em lugares tradicionais, sobre ambientes naturais, sobre
mitologia, outras formas de relações humanas. Como já dissemos, mesmo
os mais miseráveis Negócios C oferecem algumas vantagens; em vez de
ameaçarmos nossos A-eus com as desvantagens dos outros negócios, vamos
permutar os elementos que ainda são fortes e valiosos.

Os nós-trico permitem aos nós-dysco-ABC desmascarar as ilusões mútuas
sobre seus negócios e apoiar a cessação do jogo-de-dividir da Máquina.
Dyscos ocidentais vão aprender sobre o cotidiano socialista,
livrando-se tanto dos vitupérios anticomunistas quanto da propaganda
socialista. Os parceiros do Oriente vão se descobrir desistindo de
suas fantasias impossíveis sobre o Ocidente Dourado, e ao mesmo tempo
ficarão mais aptos a se imunizar contra a doutrinação oficial em seus
próprios países. Os dyscos do Terceiro Mundo vão se proteger das
ideologias desenvolvimentistas, demagogias socialistas e
chantagem-via-miséria. E isso não vai ser impingido como um processo
educativo, mas será uma conseqüência natural da tricomunicação. Um
nó-dysco do Ocidente pode ajudar o parceiro do bloco soviético a
conseguir seu estéreo japonês (necessidades são necessidades, até
mesmo aquelas criadas pela estratégia de propaganda da Máquina). No
processo de trico-expansão, de trocas pessoais e de crescentes
estruturas de bolo'bolo, os desejos autênticos vão acabar
predominando. Danças e lendas do Daomé serão mais interessantes que
shows de TV, canções folclóricas da Rússia soarão melhor que os
jingles da Pepsi, etc.

A substrução de todo o planeta desde o começo é um pré-requisito para
o sucesso da estratégia que leva a bolo'bolo. Se bolo'bolo fica sendo
só o charme de um país ou região, está perdido; vai se tornar apenas
mais um impulso para o desenvolvimento. Na base da tricomunicação,
essas relações planetárias serão responsáveis pela desintegração de
nações-estados e blocos políticos. Como os nós-dysco, os nós-trico vão
formar uma rede substrutiva que paralisará a Máquina do Trabalho. Dos
tricos surgirão acordos de trocas (fenos), hospitalidade geral (sila),
novas regiões culturalmente definidas (sumi) e um ponto de encontro
planetário (asa'dala). A rede trico também terá que trancar por dentro
as máquinas de guerra dos países independentes, provando assim ser o
verdadeiro movimento de paz – simplesmente porque seu interesse
prioritário não é a paz, mas porque têm um bom projeto em comum.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

[noéntrevista] 3éD+


:: ntrvst :: Júlio Freitas ::
:: phts :: Cris Justtino ::

 A entrevista ocorreu anteontem, com Dom Orione, guitarrista da 3éD+, duo que ele tem com o baterista Leandro Lima.

Oi

D.O.: Oi, Na paz? 

Tudo certinho?

Tudo e com você?

Por aqui tá uma friaca de renguear cusco. Por estes dias eu estive ouvindo uns sons de vocês...
  
D.O.: Aqui também está frio e chovendo... Gripe.
 
Fale um bocado sobre a banda. Eu gostei da sujeira no som.




D.O.: Ouviu o cd que upamos ontem? É de 2008



Ouvi algumas faixas.
Soundcloud?
Só não pude ver aquela entrevista na uol tv.

Isso. Vamos lá, você quer saber um pouco da banda certo? O que exatamente?

O formato minimalista...

Cara a ideia da banda e do formato é do baterista o Leandro. Na época da escola isso em 2001 nós montamos uma banda chamada Homo Sapiens o Leandro na bateria, eu no baixo e um amigo nosso chamado Adriano na guitarra e vocal, era horrível...Dai o Leandro entrou pra uma outra banda e eu montei outra e em 2005 ele me convidou pra tocar com ele, ele já tinha o nome e o formato eu tinha umas letras e foi assim que tudo começou em 3 meses tínhamos 10 músicas.



A revista impressa e o blog utiliza-se do cretive commons, com a livre reprodução de conteúdo, contrário ao copyright.

Como tu vê isso?




Fantástico cara, acho maravilhoso.


E os shows por São Paulo?
Já tocaram em outras cidades?
Os shows são sempre uma surpresa a parte, guitarra quebrada, falta de equipamentos, mas antes era bem pior agora já tocamos em lugares com uma estrutura mais legal, ao menos não precisamos levar os amplis saca? No ultimo mês tocamos em Sorocaba um cidade no interior de SP, nosso amigo Renan da banda Fones nos convidou, fizemos vários amigos por lá, um cara do jornal de lá Valdinei, Mauricio da banda Vetr. inclusive vou mandar um salve pra eles por aqui e pro Vinícius. 
Sorocaba Rock City!

Aqui em Porto Alegre, desde tempos memoráveis, as bandas se unem, algumas acabam e os dissidentes formam outra. Existe esse lance por aí?

Sim muito, acho que bandas são células vivas, a música é um vírus se você é contaminado por ela nunca mais você para como falei a pouco o 3 é fruto dessa síndrome.

Nem precisamos falar da importância da internet como meio de divulgação...

Sim, a internet é uma grande ferramenta para tudo, pensar que quando começamos a internet aqui ainda era discada, aquele barulho chato, ninguém sabia muito sobre divulgação de bandas e shows, hoje fazemos tudo em tempo real, facilitou muito.

Dá pra perceber em algumas bandas, principalmente duos (não sei porque), aquele esquema do "faça você mesmo", e isso eu acho muito foda, tem que botar a cara a tapa e tocar por aí mesmo. Como são os ensaios?


Esporádicos haha, cara apesar do formato algumas coisas são bem complicadas tem nossos trabalhos, família tudo fica bem corrido, ensaiamos uma duas três vezes a cada dois meses, somos mais intuitivos saca? Nenhum show nosso é igual pode ter certeza, tudo muda as musicas mudam, o clima do palco muda completamente nós somos uma bagunça que deu certo, mas só deu certo por sermos nós dois, tentamos colocar um baixista um amigo nosso não rolou, a pouco tempo também chamamos um grande parceiro o Targino pra tocar teclado ele disse que sem ensaios não tinha condições, a química que rola entre eu e o Leandro é bem forte então a gente se vira e a coisa funciona assim, tentamos fazer diferente e isso não deu certo, então porque mudar?

E a gripe? Por estes dias eu estive muito mal, sinusite, febre e o escambau...

Este tempo doido cara, eu estou zuado garganta inflamada, coriza...Como anda a cena musical por ai?

Tem uma banda instrumental muito foda, a Pata de Elefante, que infelizmente teriminou, os Damn Laser Vampires, com seu psychobilly. Vitor Ramil e sua milonga. O brabo foi aquela onda de bandas de terninho, aquilo encheu o saco.

Pata de Elefante terminou? Putz eu ouvia demais acho os caras demais,vi um show deles aqui e virei fã, me roubaram o cd...haha.


Acabou sim, é a minha favorita. Vocês tem cd?


Tinha...Rolou que você empresta pra um amigo e ele esquece que é seu e você também, hoje em da é tão prático, nego chega com o pendrive e diz "passa pra mim" haha.

Tu acha que pirataria seja crime?

O que é pirataria?

Crime é negar acesso as pessoas, o grande problema é quando o cara quer ser maior que a arte, se você não quer compartilhar não crie.

Artista tem que receber por shows, palestras, direitos de imagens será que ainda tem gente que acredita nisso? Se for crime o Estado me deve uma grana preta porque não autorizei que câmeras de metrô e de lojas me filmassem.


Exato, daí esse esquema de compartilhar livremente um conteúdo. Impor condições para a circulação de uma obra prejudica o artista. Man, venha para Porto Alegre, tem uma banda muito foda de São Leopoldo, na região metropolitana chamada Macedusss e As Desajustados Bando. Se bem que o líder do bando é daí...

Cara estamos a muito tempo tentando chegar a POA para shows, mas nunca rolou, seria uma grande honra tocar ai. Falar em entrevista você viu a do Rogério Skylab com o Serguei? É uma das melhores que já vi haha.


Bah, que loucura aquilo, vi sim! Logo no começo ficam os dois se olhando quietos, daí o Serguei pergunta: -Já acabou a entrevista?

Só dar um toque sobre umas bandas muito boas que temos conhecido nos ultimos anos e feito shows pode?

Claro, o espaço é teu. Estou aqui só pra ajudar a divulgar.

Massa, bandas como Labona*, aqui de SP mesmo, Projeto Trator que é um duo também bem foda, participei do disco deles, no ABC tem Krias de Kafka, Espasmos do Braço Mecânico, La Carna banda de Osasco e o Couro Cabeludo Rock, bandas que independentes que vem dando a cara a tapa e tem a Radioviernes que está com material novo, de Sorocaba tem Os Fones e uma banda muito boa que formado por um pai e seus dois filhos chamado Metranka
. Acho que é isso, essas tem sido nossas influências essas bandas que temos o orgulho de dividir palco, conversas, noitadas e cervejas e um fuminho de vez em quando porque ninguém é de ferro haha
.


Magron, muito obrigado pelo teu tempo. Manteremos contacto.

Sim cara, vamos nos falando, quando vierem pra cá me avise.

A revista está a disposição para divulgação de vocês, qualquer coisa é só chamar.
Aviso, sim.
Novidades, enfim, o que for.
Por enquanto a revista impressa está de férias, mas o blog está aê.

Beleza, obrigado.

Falou.

Falou, abraços, ahha valeu e uma outra a banda All Acaso haha. Agora sim fechou tudo. É que amizade tem que ser preservada sempre.

Anotado!

Aê!


*links:

http://www.youtube.com/user/3edmaistv

https://soundcloud.com/3edmais


http://mais.uol.com.br/view/wxs5e3bsd547/dois-e-bom-tres-e-demais-04024E193666D4914326?types=A

http://mdaboa.blogspot.com.br/2013/05/conheca-banda-3ed.html
 


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