#CADÊ MEU CHINELO?

domingo, 30 de setembro de 2012

[nem te conto] NUM FUTURO PRÓXIMO

:: txt :: Paulo Wainberg ::

 A comunidade científica resolveu dividir o Grande Sanatório em alas independentes e incomunicáveis, para evitar más influências.

 A ala do Povão abrigou trabalhadores e operários, nada ou pouco qualificados, desempregados e miseráveis de toda a ordem. As manifestações dos internos são primitivas, não vão além de fantasias dos que pensam ser motoboys, catadores de lixo, um que outro acredita ser mestre de obras.

 Nada há, ali, que interesse a comunidade científica.

 A ala dos Ricos e Classe média poucos problemas causa, os empresários e prestadores de serviços ali internados possuem ambições semelhantes, os ricos querendo mais classe média para gastar e os da classe média querendo ser ricos. Os casos mais graves são os prestadores de serviços, especialmente advogados com surtos agressivos contra juizes e o poder judiciário em geral. Vivem sob fortes tranquilizantes, muitos imobilizados com camisas de força.

 O acompanhamento e tratamento dessa ala está a cargo do baixo clero da comunidade científica.

 A ala dos Intelectuais é de longe a mais interessante e, para ela, a comunidade científica dedica atenção integral, seus expoentes máximos absortos no estudos daquelas mentes extraordinariamente perturbadas.

 O nome da ala – Intelectuais – foi escolhido não pela qualidade pessoal de  internos e sim pelos cargos e funções que exerciam na sociedade, antes dos seus debacles mentais.

 O relatório inicial, preparado pelo presidente da comunidade científica, traz a descrição de alguns casos extremos e foi elaborado a partir da identidade que cada interno julga ter assumido:

 NAPOLEÃO BONAPARTE: Um ex ministro do Supremo Tribunal Federal, querido pelos colegas de toga e de partido político, começou a votar em Francês. Os colegas, nobres e excelentes, atribuiram o fato ao humor que caracterizava o ministro, com suas tiradas engraçadas e carinhosamente corrosivas, durante as sessões de julgamento. Daquela data em diante o ministro passou a votar só em Francês. Mais do que isto, ordenou a cinco de seus vinte ou trinta secretários, que compilassem todos os votos que proferira, durante seus dez anos de atuação na corte suprema do país. Depois disto traduziu todos os votos para o Francês e mandou imprimir. Encadernou o calhamaço e distribuiu entre todos os colegas. O título era: O Novo Código Civil de Napoleão, elaborado por Napoleão Bonaparte. Deu para andar com a mão direita enfiada sob a lapela do casaco ou, quando estava de toga, com a mão direita segurando as costelas esquerdas. Quando lhe perguntaram o motivo de proferir seus votos em Francês, esclareceu que a língua portuguesa era por demais primitiva para abranger os conceitos jurídicos que sua mente imperial concebia. Foi encaminhado para o Sanatório quando chegou à a corte vestido de general, com o chapéu triangular na cabeça e ordenou a imediata invasão da Argentina.Conquistando o país vizinho, daria início à retomada das Ilhas Malvinas, declarando guerra à Inglaterra e, assim vingar-se da derrota em Waterloo. Ainda hoje, em seu gabinete no sanatório, passa o tempo elaborando planos de batalha, rodeado de mapas e maquetes estratégicas. Nunca mais falou português.

 STALIN:  Quando José Dirceu deixou o bigode crescer, o pessoal achou que era apenas mais uma mudança de aparência, das tantas que ele já experimentara. Pelo menos agora não fizera plástica. No início era uma penugem quase imperceptível que foi crescendo até tornar-se um grosso bigode que quase lhe cobria a boca e que ele pintava de preto, religiosamente. Dizem que a degradação mental começou quando fazia as unhas, numa de suas inúmeras residências de luxo em condomínios fechados ainda mais luxuosos. A manicure, ao tirar-lhe uma cutícula, machucou aquele pedacinho que fica entre o dedo e o início da unha. Ele teve um acesso de fúria e ordenou a um dos seus mil e quinhentos seguidores que deportassem imediatamente a incompetente para a Sibéria, onde passaria o resto da vida sob trabalhos forçados. No dia em que enviou emissários pelo mundo até encontrar e eliminar seu inimigo mortal e inimigo mortal dos ideais comunistas, um arrivista radical chamado Trostky, fornecendo a cada um a fotografia de um ex-deputado chamado Jefferson, foi enviado para o Sanatório onde, até hoje, através de e-mails, pergunta se sua ordem foi executada. Nunca mais fez as unhas.

 JOSÉ SARNEY – Um obscuro poeta do Maranhão publicou um livro de poemas chamado Abelhas no Cio. Ninguém leu o livro e ele, então, Reeditou a obra, mudou o título para Marimbondos de Rogo e assinou José Sarnão. Passou a comandar o Brasil, depois de invadir uma residência de luxo, numa ilha de sua propriedade. Nomeou milhares de assessores e declarou, numa matéria paga publicada no Correio de São Luiz, ao que se sabe também de sua propriedade, um manifesto à nação, afirmando que era vítima de conspirações literárias e que, como membro da Academia Brasileira de Letras, não suportava não ser presidente de alguma coisa, nem que fosse do Senado. Descobriu-se que seu nome de batismo é Ribamar e suas atitudes, frases e pensamentos são objeto de um estudo comparado de suas atitudes com as do próprio José Sarney, estudo este que está provocando uma dissidência na comunidade científica, promovida pelo grupo que deseja substituir o falso José Sarney pelo próprio.

 MUSSOLINI – Quando Paulo Maluf revelou ao Jornal Nacional que era a reencarnação de Benito Mussolini e que ia transformar o país numa Itáli moderna, independente, onde o trabalhador teria leis que o garantisse que seus opositores seriam tratados com mãos de ferros e seus seguidores com doçura, nem conseguiu chegar em casa. Saiu dos estúdios numa camisa de força e está, até hoje, fazendo propaganda de seus feitos, nos corredores do Sanatório. Sua última declaração foi que pretende formar um Eixo democrático com Angola, Sérvia e Irã, para extirpar a Coreia do Norte do planeta e alguns outros paises menores, que só incomodam. Nega que a fortuna existente em seu nome seja dele: “De Mussolini, talvez, mas minha não.”

 LULA – O caso mais interessante do Sanatório, Lula, o próprio, está lá internado com o diagnóstico de múltipla personalidade. O que deixa a comunidade científica perplexa é que uma personalidade não tem conhecimento da existência das outras, cada uma age por conta própria como se as demais não existem. Quando a personalidade de torcedor de futebol assume, ele só pensa no Corinthians, xinga o juiz, mesmo que não seja juiz de futebol, e oferece estranhas vantagens se, durante o jogo, o juiz beneficiar o seu time. Quando assume o retirante nordestino, ele afirma o seu orgulho em ser analfabeto, filho e neto de analfabetos. Quando o Doutor Lula assume o comando, ordena medidas econômicas destinadas a enriquecer seu filho e à sua família em geral, além dos colegas de Academia. E, finalmente, a personalidade mais curiosa de Lula, é quando ele afirma ser um cômico de televisão, especializado em imitar Lula. Ele pensa estar num popular programa de humor, onde tudo ao seu redor é cenário, inclusive Brasília e seus palácios. Sua imitação é perfeita, nos mínimos detalhes e trejeitos. Seu bordão que, segundo ele, arranca gargalhadas da platéia e de milhões de telespectadores é: Nunca antes neste País…

 O relatório da comunidade científica possui, ainda muitos outros ítens, um inclusive de um sujeito que afirma ser o maior narrador esportivo do Brasil, seja lá o esporte que for, e que seu melhor amigo é qualquer um que possua programas de auditório na TV Globo.

sábado, 29 de setembro de 2012

[agência pirata] TOM ZÉ – TROPICÁLIA LIXO LÓGICO (2012; PASSARINHO, BRASIL)


:: txt :: Ruy Gardnier ::

 Tom Zé é um cantor e compositor brasileiro (Irará, BA, 1936). Estudou música na Universidade Federal da Bahia, fez parte do espetáculo Nós Por Exemplo Nº 2 em Salvador, com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa etc., e fez parte do grupo de músicos que criou o álbum Tropicália ou Panis et Circensis em 1968, marco definitivo do tropicalismo musical brasileiro. No mesmo ano foi vencedor do IV Festival da Música Popular Brasileira na TV Record, com “São Paulo, Meu Amor” (depois rebatizada “São São Paulo”), e lançou seu primeiro álbum, epônimo, pelo selo Rozemblit. Seguiram-se dois outros álbuns epônimos (1970 e 1972), Todos os Olhos (1973), Estudando o Samba (1976), Correio da Estação do Brás (1978), Nave Maria (1984), The Hips of Tradition (1992), Com Defeito de Fabricação (1998), Jogos de Armar (2000), Estudando o Pagode (2005), Danç-Êh-Sá (2006) e Estudando a Bossa (2008), além de alguns EPs, discos ao vivo e coletâneas. Praticamente esquecido nos anos 70 e 80, sua carreira teve novo começo a partir da descoberta por David Byrne de Estudando o Samba e pelo lançamento da coletânea The Best of Tom Zé (1990), por seu selo Luaka Bop, nos EUA. Estudando o Samba é hoje considerado um dos maiores discos da musica brasileira. Tropicália Lixo Lógico é o 14º álbum de estúdio de Tom Zé e foi lançado em agosto de 2012 por um selo novo, o Passarinho. (RG)


 Qualquer máscara fixa que se atribuir a Tom Zé será um despropósito à sua multifacetada personalidade. Tropicália Lixo Lógico parece gritar isso à medida que as faixas progridem em evidente contraste, e em flagrante descompromisso com a pompa conceitual que cada álbum de Tom Zé vem assumindo. Ancorado num eixo temático “duro” curto-circuitando música brasileira e sociedade (pagode/sexismo, Bossa Nova e as mudanças modernizantes dos anos 50/60), o “típico” disco de Tom Zé nos últimos anos é ao mesmo tempo um álbum de música e um tratado metaoperístico, quase um audiobook de semiologia da cultura musical brasileira. Vistos no microscópio, no entanto, eles revelam que a imponência do conceito convive muito bem com o humor mais infame e com o lirismo mais singelo. O disco novo também tem um conceito, mas a pouca frequência de faixas que desenvolvem o tema – 5 em 16, ou 3 em 14 se descontarmos a introdução e a pequeníssima coda – torna-o muito mais diluído na comparação com os anteriores, e isso imprime no resultado um arejamento (de ideias, de mudança de atmosferas) bastante salutar. E não perde em conceito: o tema central de Tropicália Lixo Lógico é desenvolvido a contento nas poucas faixas que tratam disso: a ideia de que o tropicalismo nasce da fusão da cultura moura, apreendida intuitivamente pela criança até os dois anos, com a racionalidade aristotélica descoberta nos assentos da escola, e pela fricção dos dois a partir do momento que o rock internacional dos anos 60 e as outras artes sobrecarregam a percepção com um tipo específico de selvageria. “Lixo lógico” seria então algo próximo à “parte maldita” batailliana, esse excedente não-reutilizável nos moldes normais que, estocado até o limite, transborda e produz o novo.

 A tese produz delirantemente insights geniais que dão a pensar um manancial de questões que excedem até a música e a cultura nos anos 60 (vai até a história das mentalidades e volta, por exemplo), mas aqui nos interessa sobretudo o material poético e musical que ela suscita, que não é menos rico. Em “Tropicalea Jacta Est”, Tom Zé brinca com os nomes (“Tinha Pigna, Campos in/Celso Zeopardo” para as influências do tropicalismo na poesia e no teatro) e hibridiza canções (“Domingo no parque sem documento/Com Juliana-vegando contra o vento”, numa colagem verbal das canções de marca registrada de Gilberto Gil e Caetano Veloso, “Domingo no Parque” e “Alegria Alegria”) em arranjo e melodia que lembram inequivocamente “Parque Industrial”, contribuição única do próprio Tom Zé em Tropicália ou Panis et Circensis. E se o concretismo, inspiração do tropicalismo, está presente nessas colagens ou nas curtas composições onomatopaicas do meio do disco (“Jucaju”, “De-de-dei Xá-xá-xá”), no outro lado está a poesia “objet trouvé” do cotidiano, ao musicar avisos de elevador (“Aviso aos passageiros”) ou intervenções poéticas no metrô de Nova York (“NYC Subway Poetry Department”).

 A variedade musical é ainda maior que as variações de impulso lírico: hip-hop com Emicida, balada singela com Mallu Magalhães, marcha-enredo, salsa (“Debaixo da Marquise do Banco Central”), rock com riff de guitarra (“Não Tenha Ódio no Verão”) e vários flertes de pop com regionalismo, com uma desenvoltura e leveza que não víamos em Tom Zé desde 1972 (epônimo, mas apelidado de Se o Caso É Chorar no relançamento), ano de seu último disco anterior ao período mais formalista de Todos os Olhos e Estudando o Samba.  Mas formalista Tom Zé continua a ser, sempre. É de longe, no pop brasileiro (talvez apenas junto com Arrigo Barnabé e Hermeto Pascoal, mas que estão em outro esquadro em termos de gênero), aquele que mais ousa romper a sinuosidade natural da música brasileira, criando riffs e ritmos arestados, passagens angulares de notas e subtrações rítmicas (o samba “inorgânico” que ele continua a estudar, ainda e sempre), e mesmo em moldes menos impositivos, como neste disco, isso ainda é uma característica marcante.

 Ainda assim, apesar da enorme vitalidade poética, do sedutor convite ao pensamento suscitado pelo conceito, da variedade sonora e da coerência estilística do artista, são as melodias e as estruturas das canções o verdadeiro carro-chefe de Tropicália Lixo Lógico. É como se o enfileiramento das máscaras – a máscara-filósofo em pé de igualdade com a máscara-cronista social, com a máscara-cancioneiro lírico, com a máscara-provocador político – desse às melodias um inesperado frescor, produzindo alguns clássicos imediatos e rendendo ao menos um bom gancho a cada música – é, afinal de contas, um duelo cara a cara com o pop, rendendo-se e subvertendo na rendição. Os mini-interlúdios instrumentais/tribais entre uma faixa e outra, nesse sentido, amplificam o amoroso combate entre pop e vanguarda, por vezes quebrando as faixas antes de elas terminarem, sempre provocando contraste entre o áspero e o macio. É nesse sentido que o disco-conceito se fecha: apesar de apenas cinco das 16 faixas desenvolverem a questão do lixo lógico, as outras são aplicações do conceito, renovando sem rigor extremo, apenas com apetite e inspiração, o flerte com o pop corrente. Tropicália Lixo Lógico é o disco mais imediatamente delicioso de Tom Zé em décadas. Sua acessibilidade, em todo caso, não significa perda de densidade, nem sua superioridade absoluta em relação aos outros (dos anos 90 pra cá, pelo menos Hips of Tradition e Estudando o Pagode são no mínimo contendores do mesmo nível). Mas que esse septuagenário de Irará faça, com uma reflexão sobre o tropicalismo – com todos os perigos de auto-indulgência nostálgica que um passo desses poderia provocar –, seu disco mais jovem, no melhor sentido, em eras, é algo que definitivamente não se esperava, e que dá o toque de gênio a mais um disco indispensável desse gênio da música que é Tom Zé.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

[over12] VOTO NULO: RESPEITE MINHA OPÇÃO!


::txt::Tiago Jucá Oliveira::

Nas eleições deste ano, e nas passadas também, percebe-se certo desconforto entre aqueles que irão votar em algum candidato quando alguém se manifesta por anular ou votar em branco. Dizem que é inadmissível, que deixarei que os outros decidam por mim, que estou abdicando dum direito, que ajudarei quem “está na frente” e depois não posso reclamar. Não é bem assim! O voto é meu, secreto, e vivemos numa sociedade democrática, portanto escolho de acordo com minhas convicções. Assim como eu respeito quem vota no Fortunati, na Manuela ou no Villa, peço o mesmo respeito em relação a minha opção eleitoral. Se você acredita num deles, vote nele.

O voto nulo não ajuda quem está na frente. Primeiro que na hora de votar não sabemos quem está ganhando, pois a apuração começa somente depois de encerrado o pleito; segundo porque quem elege o vencedor é quem vota nele. Deixarei, dizem, que os outros escolham por mim? Creio que meu voto não vale nada. De novo, vale lembrar, o voto é meu e tenho o direito de pensar assim sobre ele. Não foi meu voto que elegeu Dilma ou deixou de eleger Serra. Aliás, não sou nem você quem escolhe os candidatos, eles já são definidos por uma minoria que domina os partidos políticos. Eles, na verdade, é que decidem por mim, e por você também.

Não acredito em democracia “representativa”. Nessa falsa representatividade, todo voto acaba por ser nulo. E não creio que a escolha da maioria deva sempre prevalecer sobre as minorias. Hitler e Bush, por exemplo, foram eleitos pela maioria. Se na época da ditadura era proibido votar, hoje é obrigatório. Proibir e obrigar são duas imposições nada democráticas. Mas se existe a opção de não votar em ninguém, porque não posso anular? É uma das formas de protestar contra diversas coisas, e, repito, numa sociedade democrática, tenho o direito ao protesto, como todas as greves, manifestações ou marchas fazem. Assim, não abdico de participar. Participo protestando. Se pago meus impostos, porque não posso reclamar? Nossas urgências não cabem nas urnas!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

[gonzo níus] REABERTURA DO ARAÚJO VIANNA

::txt:: Fausto Erjili ::

 Nós lanhávamos um xis , quando digo "nós" refiro-me a minha equipe e eu, na Lancheria do Parque, estávamos todos numa larica violenta, tão violenta que sequer notamos a ausência de nosso fotógrafo. Aquele desgraçado deve ter se perdido durante o caminho, talvez enquanto fugíamos de alguns brigadianos, mas aí já é outra história. O fato é que o Almir, nosso fotógrafo, está desaparecido até hoje. Mas foda-se. E lá estava o Araújo Vianna, novinho, branquinho. Não havia nenhum movimento considerável naquele horário, exceto o de balões de empresas capitalistas ligadas à rbs (1ª decepção), além da panfletagem de políticos locais (2ª decepção). Era cedo, então resolvemos parar num bar, tomar umas cervejas e rever a pauta da nossa matéria. Como não havia nenhuma, resolvemos nos concentrar na cerveja mesmo. Eram 13:40, e o evento começaria às 18:00. Partimos para o auditório às 17:20 e fomos para a fila. Notei repórteres e câmeras da TVE, que não deixa de ser uma resistência, em função do material sucateado do qual se utilizam. Percebi também que o sujeito à minha frente dispunha de um ingresso. Ingresso?! Lancei um olhar de curiosidade para minha equipe. Eles me retribuíram o mesmo olhar. Merda. A gente não foi avisado disso, falaram que era gratuito. Saí em busca de informação e o pessoal da portaria me confirmou tudo (3ª decepção). Eu disse que éramos da imprensa e que precisávamos cobrir o show, disse também que sabia de cor o número da minha matrícula, mas fomos barrados. Os ingressos custavam um livro, mas já estavam esgotados. Tentamos entrar pelo estacionamento, avistamos integrantes de uma dessas bandas bunda mole da cidade utilizando a mesma tática que tínhamos em mente, então desistimos.

 De fora mal dava pra ouvir coisa alguma, e tinha aqueles malditos comícios políticos, com uma barulheira infernal. Max sugeriu que eu "imaginasse" como poderia ter sido o show e escrevesse sobre isso como, por exemplo, o King Jim quebrando seu sax na cabeça do Hermes de Aquino e gritando: - Liberdade! Achei melhor não. Ficamos perambulando pela redenção, procurando alguma coisa por um bom tempo. por fim, fomos ao Super Xis, em frente ao extinto Élio. Havia uma fila enorme de adolescentes vestidos de preto aguardando por algo no Opinião. Coisa boa não era, pelo jeito. Mais tarde eu soube que o evento foi transmitido pela tv com, e um pessoalzinho lá da rbs estava fazendo as vezes de mestre de cerimônias (decepçao final). Mas eu suportaria tudo isso pelo som, tinha uns merdinhas lá dentro, mas tinha gente bacana também. Enfim, não conseguimos material algum para esta matéria e terminamos enchendo a cara. O evento foi histórico, apesar dos pesares.
 Eu sinceramente espero que não caguem com tudo.

sábado, 22 de setembro de 2012

[...] PENSANDO NA MORTE - PARANÓIA CARDIOPATA DE UM VICIADO

::psy:: Pablo Treuffar ::

Sentado no vaso sanitário do Braseiro
na Gávea
Terrificado
Penso, logo desisto.
A qualquer hora, vou morrer.
Vou ter uma apoplexia
Derrame de merda
Derramo bosta
Aqui, eu sei.
Flatulências
Não posso mais com doce
Meu bestunto tá derretendo
Não consigo respirar
Sinto dores no coração
Compressão
Premonição
Vou morrer de uma parada cardíaca
Ataque de cardiopatia
300.000 batimentos por segundo
Tô nem aí
Bato outra carreira neste banheiro
nojento
Onde estou, ensaio sensações.
Pavor, não nego, tenho medo da
morte.
Engulo um ecstasy
Minha testa pinga
Ouço zumbidos
Zumbis
Fantasmas
A passagem pro além eu comprei
nas bocas da vida
No trem da extinção, meu sombrio
embarcou.
Embaçou, meu olho dói.
Ocularmente, pressionado.
Sinto, a visão vai explodir.
A foice vai me partir
Enfarte
Não
Eu não
Socorro!
Minha cachimônia lateja
Dores
Pontadas
Náuseas
Vômitos
Por fim, a morte vem me buscar.
Não realizei nada
Ninguém me ouviu
Não ouvi ninguém
Sei que vou morrer
Vai ser agora
Não levarei saudades
Vou embora

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

[agência pirata] MANIFESTO CONTRA O TRADICIONALISMO


I - Em defesa de uma cultura e de uma estética correspondentes à memória e à história do Rio Grande do Sul.


O Rio Grande do Sul é um estado da federação brasileira resultante de um longo processo histórico de conquista e ocupação, no âmbito da geopolítica colonial, na disputa territorial entre Portugal e Espanha. O território foi consolidado em suas dimensões definitivas no período imperial e teve pequenas áreas ajustadas na República Velha.

Em todo o ciclo histórico, observou-se o esforço de vidas humanas e material para a construção de um espaço luso-brasileiro nos séculos iniciais, e brasileiro, com a Independência, a partir de 1822. A população do Rio Grande concorreu para a invenção do Brasil soberano. Nesse ato, passou a ter uma identidade e a pertencer a um Estado-nação. Historicamente, a escolha rio-grandense foi pelo seu pertencimento brasileiro, rompendo com Portugal e tendo a América espanhola como sua alteridade.

Concorreram para a conquista, ocupação e formação da sociedade sulina indivíduos de diversos grupos sociais e étnicos, genericamente identificados como: portugueses, índios, negros, mamelucos, cafuzos, mestiços da terra; espanhóis, uruguaios, argentinos, paraguaios, que escolheram permanecer na terra independentemente dos tratados divisórios; imigrantes de projetos de colonização ou que se aventuraram individualmente, em especial, advindos de territórios atualmente inseridos na territorialidade da Alemanha, Itália, Polônia, Rússia, Ucrânia, Espanha, França, etc.

Ao longo do tempo, o rio-grandense se formou através da inserção em uma identidade política, na composição da brasilidade e da naturalidade regionalizada e fronteiriça. E no cotidiano, através da vivência de todas as culturas, hábitos e costumes de origem, reelaborados na dinâmica da convivência.

Nesse processo de formação, em diversos de seus setores, ocorreu um involucramento com a sociedade e a cultura platina e latino-americana.

Historicamente, o Rio Grande é multicultural e multi-étnico.

Cultural e simbolicamente é uma região de representação aberta, de recriação constante, como critério indispensável às manifestações de pertencimento, motivadas pelas transformações históricas, sociológicas e culturais, típicas de uma sociedade em movimento, de transformações estruturais e antropológicas, onde ainda se opera, por exemplo, a mestiçagem dos grupos étnicos de origem. Um estado onde as fronteiras internas são evidentes. 

Portanto, só é legítima a cultura que representar esta diversidade.

Conseqüentemente, é ilegítimo todo o movimento ou iniciativa doutrinária de orientação pública ou particular que não represente a complexidade social e cultural do estado.

É alienante e escapista todo o movimento que impede e atua através de instrumentos de coerção cultural, midiático ou econômico, com o objetivo de dificultar os desenvolvimentos culturais e estéticos que tomam os indivíduos e as realidades contemporâneas como matérias de suas criações e vivências estéticas.

É repressor todo o movimento que milita através do governo, da educação, da economia e da mídia, para fechar os espaços das manifestações artísticas, das representações simbólicas e das inquietações filosóficas sobre os múltiplos aspectos do Rio Grande do Sul.

É doutrinador e usurpador do direito individual todo o movimento organizado que impõe modelos de comportamento fora de seu espaço privado, se auto-elegendo como arquétipo de uma moralidade para toda a sociedade.

Nessa direção, consideramos como legítimas as manifestações que tomam os rio-grandenses em suas complexidades históricas e culturais, dimensionados em seus tempos sociais, e que transformam, em especial, a sociedade contemporânea como expressões de suas criações estéticas, formulações teóricas e inquietações existenciais.Somos, em razão disso, contra todas as forças que dogmatizam, embretam, engessam, imobilizam a cultura e o saber em "expressões" canonizadas em um espaço simbólico de revigoramento e opressão a partir de um "mito fundante", inventando um imaginário para atender interesses contemporâneos e questionáveis, geralmente identificados pela história como farsa e inexistência concreta. Consideramos que todo o processo de invenção e sustentação de uma visão "mitologizada" objetiva, unicamente, atender interesses atuais; é uma forma de militância que recorre à fábula, a ressignificação de rituais, hábitos e costumes, como forma de "legitimação" de causas particulares como se fossem "tradições" coletivas. 

II - Em defesa de uma racionalidade sobre a história do Rio Grande do Sul, de equivalência para todos os construtores de nossa sociedade, de equiparação e direito para todas as manifestações culturais, de inclusão multicultural e respeito às heranças étnicas, sem que todas essas expressões sejam diluídas em um gauchismo pilchado de civismo ufanista, ideológico e manipulador dos mais sinceros sentimentos do povo.

Fundamentados nos princípios acima e nos demais existentes no transcurso deste manifesto, identificamos o MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO (MTG) como o principal instrumento de negação e destruição desses traços culturais e direitos fundamentais do povo rio-grandense.

Nossa posição se fundamenta nos seguintes argumentos:

1.. Somos contra o Movimento Tradicionalista Gaúcho, especialmente porque, em sua cruzada unificadora, construiu uma idéia vitoriosa de "rio-grandense autêntico", pilchado e tradicionalista, criando uma espécie de discriminação, como se a maioria da população tivesse uma cidadania de segunda ordem, como "estrangeira" no "estado templário" produzido fantasiosamente pela ideologia tradicionalista. 

2.. Somos contra o Movimento Tradicionalista Gaúcho, por identificá-lo como um movimento ideológico-cultural, com uma visão conservadora e ilusória sobre o Rio Grande, cujo sucesso se deve, em especial, à manipulação e ressignificação de patrimônios genuínos do povo, pertencentes aos seus hábitos e costumes. 

3.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele não é a Tradição, mas se arrogou de seu representante e a transformou em elemento de sua construção simbólica, distorcendo-a, manipulando-a, inserindo-a em uma rede gauchesca aculturadora, sem respeito às tradições genuinamente representativas das diversidades dos grupos sociais. 

4.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele não é Folclore, mas o caducou dentro de invernadas artísticas e retirou dele seus aspectos dinâmicos e pedagógicos; o seu apresilhamento ao espírito e ao sentido do pilchamento do estado está destruindo o Folclore do Rio Grande do Sul. 

5.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele é um movimento organizado na sociedade civil, de natureza privada, mas que desenvolveu uma hábil estratégia de ocupação dos órgãos do Estado, da Educação e de controle da programação da mídia, conseguindo produzir a ilusão de que o tradicionalismo é oficialmente a genuína cultura e a identidade do Rio Grande do Sul. A "representação" tomou o lugar da realidade. 

6.. Somos contra o Tradicionalismo, porque, insensível à história e à constituição multicultural do Rio Grande do Sul, através de procedimentos normativos, embretou o rio-grandense em uma representação simbólica pilchada. 

7.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele criou um calendário de eventos e, através de seus prepostos, aprovou leis que "reconhecem" o próprio tradicionalista como modelo gentílico, apesar de ser, em verdade, um ente contemporâneo, sem enraizamento histórico e cultural. 

8.. Somos contra o Tradicionalismo porque identificamos nele a criação de instrumentos normativos usurpadores, com a ambição de exercer um controle sobre a população, multiplicando a cultura da "patronagem", com a reprodução de milhares de caudilhetes que tiranizam os grupos sociais em seu cotidiano. Tiranetes que, com sua truculência, ditam regras "estéticas" e limitam os espaços da arte e da cultura, lançando o preconceito estigmatizador, pejorativo e excludente, sobre formas de comportamento e manifestações artísticas inovadoras ou sobre concepções do regional, diferentes da matriz "cetegista", mesmo quando essas manifestações surgem no interior do próprio Tradicionalismo. 

9.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele instrumentaliza política e culturalmente uma visão unificadora, como se a origem identitária do Rio Grande estivesse no movimento da "minoria farroupilha", falseando sobre a sua natureza "republicana", elencando um panteão de "heróis" latifundiários e senhores de escravos, como se fossem entes tutelares a serem venerados pelas gerações atuais e vindouras. 

10.. Somos contra o Tradicionalismo, por ele se fazer passar por uma Tradição, desmentida pela própria história de sua origem, ao ser inventado através de uma bucólica reunião de estudantes secundaristas, em 1947, no colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. 

11.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele se transformou em força institucional e "popular", em cultura oficial, através dos prepostos da Ditadura Militar no Rio Grande do Sul.

a) Na verdade, em 1964, o Tradicionalismo foi incluído no projeto cultural da Ditadura Militar, pois o "Folclore", como fenômeno que não pensa o presente, serviu de alternativa estatal à contundência do movimento nacional-popular, que colocou o povo e seus problemas reais no centro das preocupações culturais e políticas.

b) O Tradicionalismo usurpou, assim mesmo, o lugar do Folclore, e se beneficiou do decreto do general Humberto Castelo Branco, de 1965, que criou o Dia Nacional do Folclore, e suas políticas sucedâneas. A difusão de espaços tradicionalistas no Estado e as multiplicações dos galpões crioulos nos quartéis do Exército e da Brigada Militar são fenômenos dessa aliança. 

c) A lei que instituiu a "Semana Farroupilha" é de dezembro de 1964, determinando que os festejos e comemorações fossem realizados através da fusão estatal e civil, pela organização de secretarias governamentais (Cultura, Desportos, Turismo, Educação, etc.) e de particulares (CTGs, mídia, comércio, etc.).

d) Durante a Ditadura Militar, o Tradicionalismo foi praticamente a única "representação" com origem na sociedade civil que fez desfiles juntamente com as forças da repressão. 

e) Enquanto as demais esferas da cultura eram perseguidas, seus representantes censurados, presos, torturados e mortos, o Tradicionalismo engrossou os piquetes da ditadura - seus serviçais pilchados animaram as solenidades oficiais, chulearam pelos gabinetes e se responsabilizaram pelas churrasqueadas do poder. Esse processo de oficialização dos tradicionalistas resultou na "federalização" autoritária, com um centro dominador (ao estilo do positivismo), com a fundação do Movimento Tradicionalista Gaúcho, em 1967. Autoritário, ao estilo do espírito de caserna dos donos do poder, nasceu como órgão de coordenação e representação. Enquanto o general Médici, de Bagé, era o patrão da Ditadura e responsável, juntamente com seu grupo, pelos trágicos anos de chumbo que enlutaram o Brasil na tortura, na execução, na submissão à censura, na expulsão de milhares de brasileiros para o exílio, os tradicionalistas bailavam pelos salões do poder. Paradoxalmente, enquanto muitos freqüentadores de CTGs eram perseguidos ou impedidos de transitarem suas idéias políticas no âmbito de suas entidades, o Tradicionalismo oficialista atrelou o movimento ao poder, pervertendo o sentimento de milhares de pessoas que nele ingressaram motivados por autênticos sentimentos lúdicos de pertencimento e identidade fraterna. 

f) Através da relação de intimidade com a ditadura, o MTG conseguiu "criar" órgãos estatais de invenção, difusão e educação tradicionalista, ao mesmo tempo em que entregou, ou reservou diversos cargos "públicos", para seus ideólogos, sob os títulos de "folclorista", "assessor cultural", etc.

g) O auge do processo de colaboração entre a Ditadura e o MTG foi a instituição do IGTF - Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, em 1974, consagrando uma ação que vinha em operação desde 1954. A missão era aparentemente nobre: pesquisar e difundir o folclore e a tradição. Mas do papel para a realidade existe grande diferença. Havia um interesse perverso e não revelado. A constituição do quadro de pessoal, ao contrário da inclusão de antropólogos, historiadores da cultura, pessoas habilitadas para a tarefa (que deveriam ser selecionadas por concurso público), o critério preponderante para assumir os cargos era, antes de tudo, a condição de tradicionalista. Assim, um órgão de pesquisa, mantido pelo dinheiro público, transformou-se em mais uma mangueira do MTG. Com o passar dos anos, os governos que tentaram arejar o IGTF, indicando dirigentes menos dogmáticos, invariavelmente, entraram em tensão com o MTG. 

h) Essa rede de usurpação do público pelo Tradicionalismo, por fim, atingiu a força de uma imanência incontrolável. Em 1985, já na redemocratização, o MTG conseguiu que a Assembléia Legislativa instituísse o Dia do Gaúcho, adotando como tipo ideal o "modelo" tradicionalista.

i) Em 1988, com uma manipulação jamais vista na vida republicana, o MTG se mobilizou pela aprovação da lei estadual que estabeleceu a "obrigatoriedade do Ensino de Folclore"; na regulamentação, a lei determinou que o IGTF exercesse a função de "suporte técnico", sem capacitá-lo pedagogicamente. De fato, passou a ocorrer uma relação direta entre as escolas e os CTGs. Dessa maneira, o Tradicionalismo entrou no sistema educacional, transgredindo a natureza da escola republicana como lugar de estudo e saber, e não de culto e reprodução de manuais. Hoje, os alunos são adestrados pela pedagogia de aculturação e cultuação tradicionalista.

j) Por fim, em 1989, a roupa tradicionalista recebeu o nome de "pilcha gaúcha", e foi convertida em traje oficial do RS, conforme determinação do MTG.

12.. O grande poncho do MTG, por derradeiro, foi tecido pela oficialização dos símbolos rio-grandenses, emanados diretamente do simulacro da "república" dos farroupilhas. 

III - Em defesa de uma cultura que respeite os tempos de registro histórico-cultural e de representação contemporânea e sua densidade histórica.

13.. Somos contra o MTG, porque consideramos indispensável para a cultura regional distinguir os fenômenos da história dos da memória, identificar os eventos em seus tempos históricos e desenvolver um conhecimento em que os tempos históricos não sejam diluídos nas celebrações contemporâneas e seus interesses ideológicos, culturais e econômicos. A "institucionalização" de uma cultura cívica e de lazer tradicionalista como "legitimidade", reforçada e inserida na indústria cultural pilchada, impõe uma visão da sociedade e do passado, segundo a ótica dos interesses dos indivíduos que operam socialmente na atualidade. Através dessa falsa "historicidade", eles se legitimam como "autênticos" e podem especular com este inventivo "selo de qualidade". 

14.. Somos contra o MTG, porque a sua atividade de militância "aculturadora", ressignificando símbolos, ícones, eventos históricos, em um espaço praticado e imaginado como o ethos de uma estância atemporal, empobrece culturalmente o Rio Grande do Sul e, de fato, relega etnias e grupos sociais, historicamente importantes, à massa dos "sem-simbologia". 

15.. Somos contra o MTG, porque o seu controle e patrulhamento vigora sobre a sociedade como um espectro opressivo, em muitos casos como uma maldição, como uma ameaça punitiva, desclassificativa daqueles que não ideologizam as pilchas ou não se enquadram nos modelos "humanos", geralmente caricaturais, decretados pelo MTG. 

16.. Somos contra o MTG, porque aqueles que se libertam de sua doutrina, depois do longo processo de adestramento, geralmente iniciado na infância, enfrentam traumas de identidade, especialmente ao descobrirem suas "versões manipulatórias" da história, como a de que o povo do Rio Grande do Sul se levantou contra o Império, ou que os farroupilhas eram republicanos. 

17.. Somos contra o MTG, porque ele pratica a demência cronológica e estatística, impondo a deturpação de que o povo se levantou contra o Império e os imigrantes e seus descendentes também cultuaram a Revolução Farroupilha, quando, quase em sua totalidade, sequer estavam no RS entre 1835 e 1845. Se um dia aportaram no Brasil, isso se deve ao projeto de colonização do Império. Os projetos de colonização fundamentais, que contribuíram para a formação do Rio Grande do Sul contemporâneo, não pertenceram aos farroupilhas. 

18.. Somos contra o MTG, porque ele ajudou a instituir e alimenta em seu calendário de celebrações, nas escolas, na mídia, um panteão de "heróis", na sua maioria senhores de escravos. 

19.. Somos contra o MTG, porque ele é uma força militante ideológica e cultural que trabalha contra a criação de uma mentalidade ilustrada; a transposição para o presente de personagens do antigo regime, como "lumes tutelares" a serem adorados, impediu que se fizesse, nesse particular, um movimento cultural com a densidade dos princípios consagrados pela Revolução Burguesa. 

20.. Somos contra o MTG, por ele ter transformado a população em adoradora de senhores de escravos (no geral, sem saberem). 

21.. Somos contra o MTG, especialmente, porque defendemos o RS da inclusão, da convivência multicultural, de todas as indumentárias, de todos os ritmos, de todas as danças, de todas as emoções, de todos os trabalhos e ofícios, de poéticas de múltiplos espaços, e não da territorialidade simbólica exclusiva do pampa. 

22.. Somos contra o MTG, porque desejamos construir espaços poéticos que representem também a complexidade de nosso tempo. 

23.. Somos contra o MTG, porque, em defesa dos postulados da liberdade de criação e de comportamento, do saber sobre o culto inócuo e ideologicamente manipulador, o identificamos como o instrumento preponderante de negação dos direitos elementares da liberdade, da igualdade e da fraternidade. 

24.. Somos contra o MTG, por se tratar de um movimento de interesse hegemonizador sobre a sociedade sul-rio-grandense, de caráter privado, que transgride a sua esfera particular, para operar um autoritarismo de conversão dogmática da população a um estilo gauchesco, inventado e normatizado por seus membros, como expressão estilística de um pretenso gentílico de conteúdo e forma cívico-ufanista. 

25.. Somos contra o MTG, porque, ao se transformar arbitrária e oficialmente em uma imagem gentílica, se converteu em um movimento de intolerância cultural no Rio Grande do Sul e em outras regiões do Brasil e do mundo, através de instalações de CTGs que não respeitam as culturas locais, que invadem como intrusos localidades de tradições milenares, usurpando seus espaços, destruindo sua poética popular e deturpando sua arquitetura. Nessa operação, o Tradicionalismo não é uma "representação" aceitável da cultura sulina, mas o instrumento de uma "aculturação", da não inserção dos grupos migrantes nas culturas locais, transformando-se, de fato, em agente de destruição. 

26.. Somos contra o MTG, porque, ao se converter em uma representação do Rio Grande do Sul e exercitar sua arrogância aculturadora em outros espaços sócio-culturais, fazendo uma escolha pela não inserção e respeito às populações do restante do Brasil e do mundo, está desencadeando movimentos de reação discriminatória contra os "gaúchos". Devido às posturas dos tradicionalistas, tornam-se cada vez mais freqüentes campanhas populares de "Fora gaúchos" em outros estados da federação, confundindo os "tradicionalistas" com os "rio-grandenses", jogando sobre o povo do RS um estigma motivado unicamente pelo "cetegismo". Essa militância tradicionalista contribui, de fato, para a difusão da intolerância na população sulina. 

27.. Somos contra o MTG, por considerá-lo agente de um dano irreparável à maioria dos sul-rio-grandenses frente ao Brasil, pois defendemos princípios de identidades regionais harmonizados com as genuínas culturas locais das demais regiões brasileiras. 

28.. Somos contra o MTG, por ele se apresentar militantemente em outras unidades da federação, em seu extremo, como uma "etnia gaúcha", deturpando a formação multi-étnica sul-rio-grandense, e ofendendo, além de tudo, os conceitos mais elementares da Antropologia. 

29.. Somos contra o MTG devido a sua soberba de pressionar outros estados brasileiros para adotar a "pilcha gauchesca" como traje oficial, produzindo ainda maior rejeição aos sul-rio-grandenses. 

30.. Somos contra o MTG no Rio Grande do Sul e nos demais estados brasileiros pela sua articulação incessante para se transformar na cultura oficial, ou ser reconhecido como "uma representação externa", e desejar se constituir em guardião dos símbolos, dos ícones e do imaginário do povo. 

31.. Somos contra o MTG, porque, como entidade privada, ele tange, em sua arreada intolerante, grande parte das verbas públicas dos setores da cultura, da educação, do turismo, da publicidade e da Lei de Incentivo à Cultura das empresas estatais, fundações e autarquias, para o seu imenso calendário de eventos, onde, nem sempre, se distingue a cultura do turismo e do lazer.

a) Em defesa da cultura rio-grandense postulamos pela instalação de uma CPI na Assembléia Legislativa, para investigar a transferência de verbas e infra-estruturas públicas para as atividades tradicionalistas, o que caracteriza flagrantemente uma usurpação do patrimônio público.

b) Reivindicamos audiências públicas ao Conselho de Cultura, para discutir a canalização da LIC para um excessivo predomínio de projetos tradicionalistas, muitos de caráter turístico e de lazer, iludindo a natureza da Lei.

c) Alertamos e igualmente reivindicamos audiências públicas ao Conselho de Educação, para discutir a deturpação dos currículos e dos princípios de Educação Pública, em conseqüência da infestação, da usurpação e da distorção pedagógica representada pela invasão tradicionalista nas escolas, substituindo os preceitos do "saber", do "estudar", pelo "culto" e pelos "manuais" tradicionalistas. O indicativo dessa distorção e atropelo obscurantista é a transformação do próprio espaço escolar, com a criação de "piquetes" e "invernadas artísticas". Essa situação revela a falência pedagógica da escola, o abandono de sua natureza laica e republicana. Os alunos são induzidos a comportamentos e práticas dogmáticas, adestradoras, apresilhados a uma identidade questionável, originada em um mito fundante. Essa escola doutrinariamente cívica, "gentílica" e de "orgulho gaúcho" exercita a fé, a pertença alienada. Ela significa a falência da Educação. Por essa razão, reconhecemos como legítima a revolta daqueles professores que rejeitam a sua conversão em instrumentos de realização do calendário tradicionalista, como se fossem meros executores de seus manuais dentro dos educandários. Reconhecemos como legítima a resistência dos professores às pressões para serem transformados em pregadores pelas direções, pelo poder e por alguns ciclos de país e mestres, pois esse enquadramento significa a negação de suas funções constitucionais de educadores.

32.. Somos contra o MTG, porque, entre todas as suas deturpações, a mais grave é representada pela sua própria oficialização, cujo corolário é a ambição de instituir como "legalidade" a sua versão da história, através de uma legislação introduzida progressivamente na esfera pública. Em alguns processos judiciais contra pessoas transformadas em réus, por terem feito crítica ao Tradicionalismo ou aos seus atos, os advogados do MTG argumentam com "base" em leis que os parlamentares tradicionalistas criaram, em decretos de seus executivos, em "epistolas" de seus ideólogos. 

33.. Somos contra o MTG, porque, devido à sua ação de controle cultural, uso das verbas públicas, interferência nos currículos escolares, vigilância sobre os meios de comunicação, imposição manipulatória de uma idéia de "história" que converteu em "heróis" senhores de escravos, sua hegemonia e operação militante no Estado, na sociedade civil e no senso comum, contribui para a mediocrização do Rio Grande do Sul em seus aspectos culturais, de inserção moderna e respeitosa no Brasil e na América, produzindo uma incapacidade de leitura crítica da sociedade rio-grandense e do mundo. Nas últimas décadas, os acontecimentos culturais populares importantes se constituíram na relação e na contradição com o Tradicionalismo. Na maioria dos casos tiveram que superá-lo, ou negá-lo, para sobreviverem e afirmarem os seus espaços estéticos. 

34.. Somos contra o MTG em sua usurpação do público, mas, por outro lado, ainda como manifestação de nossos princípios republicanos, defendemos o MTG quanto ao seu direito privado, ao seu exclusivo espaço cultural, à noção de que ele é apenas um segmento interpretativo da história e da cultura do Rio Grande do Sul, sem que as suas convicções singulares tenham a ambição e a ação militante ilegítima de "aculturação" das demais esferas sociais e culturais do estado, sem que se coloque no topo de uma hierarquia dominante e exclusivamente gauchesca da identidade. 

35.. Somos contra o MTG, exclusivamente, no que tange à usurpação das esferas públicas e à coerção de nossos direitos civis, culturais e estéticos. 

36.. Somos contra o MTG, porque identificamos nele a alimentação de uma sinergia cultural que atolou o Rio Grande do Sul no passadismo conservador, criando uma força de pertencimento que bloqueia o desenvolvimento de uma energia socialmente humana moderna, humanista, republicana, respeitosa com os sentimentos historicamente multiculturais da população rio-grandense. 

37.. Somos contra o MTG, porque nos sentimos reprimidos, cerceados e vitimizados, cultural e profissionalmente, por ele, identificando-o como uma força militantemente dogmática contra os nossos direitos e cidadania. 

38.. Somos contra o MTG, porque defendemos o Folclore representativo da nossa multiplicidade étnica, consideramos as frações da Tradição que expressam as relações humanizadas e o espírito solidário do povo sul-rio-grandense, a Cultura Popular, os espaços efetivos para uma cultura que expresse nossa historicidade, desde o passado até a atualidade, e, principalmente, porque postulamos uma estética sem embretamentos, capaz de apreender a complexidade regional com suas particularidades e conexões universais.Rio Grande do Sul, março de 2007.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

[copyleft] A DISNEYLÂNDIA DE BOMBACHAS



A identidade que o senso comum registra do gaúcho é uma das tantas tradições inventadas, pelo mundo afora. O mito gaúcho é uma narrativa fixa de três combinações histórico-culturais: o republicanismo farroupilha, um comtismo crioulo, e um rústico positivismo estancieiro. A vulgarização fetichizada disso é o que chamamos de “disneylandia de bombachas”.


Max Weber dizia que ninguém nasce religioso, mas torna-se religioso. Simone de Beauvoir sustentou que não se nasce mulher, mas torna-se mulher. Parafraseando os dois, diremos que, igualmente, ninguém nasce gaúcho, alguns se tornam gaúchos. 

O gaúcho, segundo a mitificação tradicionalista, é o cálculo acumulado de uma imposição cultural inventada e cevada no ideário rude de uma certa elite do Rio Grande do Sul. Mendes Fradique escreveu, no início do século XX, a História do Brasil pelo método confuso, pois a sabedoria “gauchista” tentou arremedá-lo contando a história do Rio Grande do Sul. A confusão, e não o método, inspirou a plataforma do tradicionalismo de fancaria. 

Os primeiros esboços desse constructo mental que procura representar o tipo ideal dos indivíduos nascidos na região mais meridional do Brasil foram dados por jovens líderes políticos republicanos, ainda no final do século XIX, todos seguidores do positivismo de Auguste Comte. Júlio Prates de Castilhos, fundador do Partido Republicano Rio-grandense (1882), foi um dos que passaram a fazer uma lenta e continuada apropriação dos despojos da Revolução Farroupilha (1835-1845). A modernização conservadora que propugnavam, e depois levaram a efeito na Província do Rio Grande do Sul, através dos governos de Castilhos e Borges de Medeiros, e mais tarde no resto do Brasil, com Getúlio Vargas, vinha a cavalo e estava adornada de toda a memória heróica dos revoltosos farroupilhas, ainda que respingado pelo sangue coagulado da escravidão.

A influência do positivismo
O pensamento comtiano curiosamente vicejou no pastoril cenário austral brasileiro. Embora positivista e reacionário no plano geral da modernidade, numa província xucra e áspera como o Rio Grande do Sul, o comtismo representava um verniz de civilidade e institucionalização republicana. Havia, pelo menos, algum pensamento. Basta saber que, ainda no período 1893-95, na chamada Revolução Federalista, foram mortos mais de 10 mil pessoas, entre civis e militares de ocasião, numa Província que contava com 1 milhão de almas, onde a secção da carótida por lâmina branca (degola) de prisioneiros era prática comum em ambos os lados - liberais e republicanos. Joseph Love chega a afirmar que, no Rio Grande, no final do século XIX, ainda vagavam “hordas semibárbaras egressas do regime agro-pastoril”. Pelear era um meio de vida e de morte; especialmente, onde não havia trabalho assalariado regular no campo.

Comte, um dos tantos pensadores positivistas, concebia um mundo republicano, positivo (em relação ao ideal burguês da Revolução Francesa), organicista, não-estático, em evolução através de estágios civilizatórios, e com valores dispostos numa hierarquia. Havia o dogma da superioridade do amor sobre a razão. As mulheres eram superiores aos homens, por diversas razões, mas a principal era a do suposto predomínio dos sentimentos afetivos sobre os valores da razão, na alma feminina. Os negros eram superiores aos brancos. Os latinos eram superiores aos anglo-saxões. Todos pelas mesmas imaginadas razões altruísticas e de valoração puramente moral. 

Uma mitologia do mundo rural
O segundo e definidor impulso do tradicionalismo crioulo foi dado somente a partir de 1947, por jovens de classe média do grêmio estudantil do colégio estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Um movimento urbano, estudantil, pequeno-burguês, reivindicando e propondo uma mitologia do mundo rural, cuja unidade econômica era o universo da estância latifundiária agro-pastoril, seus símbolos, sua oligarquia militarizada, suas relações objetivas de trabalho, onde a acumulação primitiva estava fundada na escravatura, no abigeato, em terras havidas pela força das armas, pelo bandoleirismo, pelo saque, pelas vantagens da fronteira móvel, pela ausência do Estado, e pelo contrabando de mão-dupla; na esfera subjetiva, a estância foi matriz de relações de trabalho com conflitos não-manifestos, onde a relação patrão-peão estava dissimulada por laços de sociabilidade marcados pela mútua convivência em peleias contra os “castelhanos” ou contra facções políticas rivais. Relações de trabalho economicamente opostas, ainda não agudizada pelas contradições de classe, naqueles perdidos confins de coxilhas, ventos e horizontes sem curvas como o mar, mas que, no plano subjetivo é fator de solidariedade, coesão social e que tende a favorecer a unidade política.

Barbosa Lessa e Glaucus Saraiva acabam sendo os intelectuais orgânicos do chamado movimento tradicionalista gaúcho. Um oxímoro: “movimento tradicionalista”. São palavras de sentido oposto: tradicionalismo pressupõe algo fixo no tempo; logo, não há movimento. Assim foi, e é. Eles, primeiro, recuperam o vocábulo “gaúcho” que sempre teve qualificação negativa, sendo sinônimo de desajustado social, um desclassificado teatino, guacho, peão andarilho, etc. Antes do re-cozimento da história, é preciso apresentar identidades, heróis, um verniz cultural, uma bravura, própria das solenidades da origem, na luz sem sombra da primeira manhã. Entretecer as narrativas que montarão o imaginário da “pequena pátria” (Comte) carente de identidade. Ao fazê-lo, emprestam-lhe um passado heróico de glórias infinitas, cujas ilustrações vivas, que o saber histórico não deixa mentir, são as revoluções por causas nobres e justas. Sendo a principal delas a Revolução Farroupilha de 1835 a 1845, com seus personagens míticos, sua bandeira republicana e autonomista, mesmo escondendo a ausência de uma consigna abolicionista.

A história como lenda
Escondem, aliás, tudo que possa cheirar a povo, à autenticidade das manifestações populares, seja do branco despossuído, do negro, do índio e da mulher. É carimbado com o selo do tradicionalismo somente a memória do regime patrimonialista latifundiário ou da história convertida em lenda das revoluções sulinas. Com isso, a história transforma-se numa redução narrativa degradada. Já não é mais história, mas fábula, lenda, alegoria. O passado é cuidadosamente recortado numa seletiva representação de fatos deformados ou exagerados. A invenção da tradição, como cálculo político de identidade e dominação, agora é um mosaico de fatos positivos prontos para serem exibidos como espetáculo, esquecendo os aspectos sempre revolucionários do republicanismo e dos elementos modernos do comtismo, como o respeito à mulher e ao negro.

Eles operaram com um pau de dois bicos: de um lado, uma expropriação da história; de outro, a montagem de uma representação histórica. Paixão Côrtes, um dos idealizadores do tradicionalismo de espetáculo, admite que “o Rio Grande do Sul é um dos Estados brasileiros mais pobres em folclore”, e confirma: “o que assistimos é o culto das nossas tradições e não a vivência do folclore” (in jornal ZH, 22.08.1977). O tradicionalismo de espetáculo - inventado e curado nas charqueadas da ignorância - substituiu o folclore como fonte autêntica de manifestação popular na arte, na música, na poesia, nas cantigas e jogos infantis, na dança de perdidas origens, no artesanato, nas narrativas orais das tantas etnias que cimentam a cultura meridional do Brasil, como os povos europeus, o judeu, o libanês, o palestino, o negro de diversas extrações africanas, e os indígenas que tem uma história riquíssima de vida pré-colombiana e depois com a experiência das reduções jesuíticas, na região missioneira.

O estereótipo do tradicionalismo
A cultura do Rio Grande do Sul é muito mais rica do que o estereótipo do tradicionalismo fetichizado. O tradicionalismo crioulo é excludente e autoritário, sufoca todas as outras manifestações culturais de um Estado múltiplo, colorido de etnias, artes, linguagens e imaginários, parecendo-se com um corredor que se recusa a esperar sua alma. Uma das provas desse fenômeno nocivo da hegemonia unidimensional do tradicionalismo é o da culinária, onde o churrasco parece ser o monarca das mesas sulinas. Existe até uma lei estadual que o consagra como “comida oficial do Estado”. Nada mais inútil e tolo. E as ricas e saborosas culinárias das tantas etnias que temperam a mesa sulina? Numa região que teve nas charqueadas a base da sua economia, por longos decênios do século 19 e 20, o saboroso charque é pobremente servido de uma única forma, o “arroz de carreteiro”.

O tradicionalismo unidimensional e monotemático é um fator de inibição da criatividade e da livre manifestação de tantas culturas em um solo generoso e multitudinário. Uma prova da má consciência do tradicionalista de espetáculo é a relação difícil e conflituosa que sempre tiveram com os intelectuais sulinos. Ignoram, por exemplo, Érico Veríssimo, o escritor que construiu a maior e melhor narrativa literária de uma região brasileira, teceu tipos inesquecíveis e que vivem entre nós como se fossem de carne e osso, tamanha a sua sensibilidade, força artística e exemplo ético. Ignoram Pedro Weingärtner, José Franz Lutzenberger e Vasco Prado, para citar alguns artistas plásticos de épocas diferentes, mas que tiveram como temática pictórica e escultural o homem e a alma do Rio Grande, nos cenários da querência pampeana, missioneira e serrana, nos utensílios, no vestuário, nos instrumentos de trabalho, nos hábitos, no cavalo, nas vacarias, nos aperos, etc., mas sem convergir para o fantasioso mundo artificial do tradicionalismo de espetáculo.

O uso da bombacha tem a sua introdução nos Pampas (seja brasileiro, argentino ou uruguaio) por uma dessas ironias do destino (e do oportunismo comercial dos ingleses): conta o pesquisador uruguaio, Fernando Assunção, que durante a guerra da Criméia (1854-56), as fábricas inglesas produziram um grande excedente de uniformes para o exército da Turquia, o qual era ornado pelas tais calças bufantes, e como o conflito teve curta duração, os comerciantes ingleses resolveram desová-las para as tropas da Tríplice Aliança na guerra contra Solano Lopez, do Paraguai.

A "ideologia do gauchismo"
Alguns críticos do tradicionalismo de espetáculo exageram ao classificá-lo como uma “ideologia do gauchismo”. Não é nesse brevíssimo artigo que se debaterá a interessante polêmica, mas, desde já, não adotaríamos tal categoria para tais propósitos. Trata-se de uma mitologia tão pobre e mal ajambrada que seria elogioso classificá-lo como “ideologia”, de resto, uma categoria com múltiplas noções. Mas, sem dúvida, funciona como uma usina de produção de verdades, que preenche o vazio do desencantamento do mundo, fortalecendo o senso comum em detrimento do senso crítico. Cumpre a função de cobrir as lacunas e buracos de um imaginário popular que tem as ilusões cada vez mais erodidas pela pós-modernidade. Se não é um partido político na forma, milita politicamente em favor de uma “ordem” para todos, e um “progresso” para os eleitos.

Num mundo fetichizado pela miséria da mercadoria, os espelhos são inutilizados a tantos quadros por segundo. O homem, já sem espelho, auto-imagem, auto-referência, não se reconhece no mundo das coisas. É quando o tradicionalismo de espetáculo providencialmente estende espelhos simbólicos que oferecem um conforto identificador, um repouso ôntico, ao homem-multidão. Agora ele reconhece-se, agora ele identifica-se, ainda que na fantasia pilchada de uma ilusão galponeira. Tivesse bala na agulha, ousadia, empreendedorismo, o movimento tradicionalista gaúcho (MTG) poderia associar-se à Walt Disney Corporation no sentido de negociar o direito de ser objeto da dramaturgia materializada em parques temáticos e embalsamar mitologias e histórias. Uma mega disneylandia de bombachas é a aspiração mais legítima do tradicionalismo de espetáculo. A estância-fetiche como sagração da vida boa, e o gaúcho, qual quixote temporão, se defendendo na coxilha da vida com um peleguinho já deslanado e a ferrugenta espada do tradicionalismo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

[...] COLHERES


::prd::Jucazito da Vila::

já tive colheres de todas as cores
de vários tamanhos, com vários sabores
com unhas até xarope tomei
pra ostras há penas ouvi na zorei

comerei em todas as colheres talvez a metade
um pesto, um pasto ou um tapenade
já to comendo bem, mas tudo tem aipim

colher é o chá de camomila que nem balde
feijão, lentilha e felicidade
é tudo que um dia eu plantei capim

terça-feira, 4 de setembro de 2012

[...] ÓIA, CACILDA

::psy::Júlio Freitas::

Óia, Cacilda
eu num sô ninhum jumento
tenho poco conhecimento
mais eu sei o beabá

Óia, Cacilda
peguei um buquê de rosa
quis dá dois dedo de prosa
e traveis eu te beijá

Óia, Cacilda
percurei tomá um banho
pra tirá o chêro estranho
e tu não vem me recramá

Óia, Cacilda
cum poema eu te saúdo
coloquei cedilha e tudo
no teu nome a idolatrá

Cacilda não me qué
Cacilda não me qué
será que foi o bafo,
ou o aroma de chulé?

Intão eu vô pará
cum essa cantoria
já que tu não me dá
vai tomá no que eu queria.

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