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quarta-feira, 25 de julho de 2012

[agência pirata] CARANGUEJO ESCALDADO: FRED 04 FALA SOBRE OS 20 ANOS DO MANIFESTO MANGUEBIT










::ntrvst::Rodrigo Ortega::


Não parece que Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa, lançado no fim do ano passado, é só o sexto álbum do Mundo Livre S/A. Em 2012, o grupo pernambucano completa 28 anos e no dia 11 de julho seu líder, Fred Zero Quatro, fez 50. Aos 30 ele escreveu o manifesto “Caranguejos com cérebro”, texto que ajudou a chamar atenção para a cena musical de Pernambuco que incluía a Nação Zumbi e o falecido Chico Science. O ex-jornalista Zero Quatro conversa com a Billboard Brasil sobre o texto escrito “na munheca” em julho de 1992, e conta como o grupo tenta se adaptar aos tempos digitais.


Há 20 anos você fez o manifesto “Caranguejos com cérebro”. O que lembra de quando escreveu?
Eu era repórter de TV, do SBT. Fazia dois anos, todo dia estava no batente fazendo, duas, três reportagens com aquele texto bem medíocre. Coincidiu que a gente começou, no final de 1991, esse evento Viagem ao Centro do Mangue. Era uma cooperativa informal – Mundo Livre, Chico Science e Nação Zumbi, Lamento Negro e tal. O público em Recife foi crescendo, assimilando esse discurso dos caranguejos com cérebro. Em junho de 1992 eu fui demitido da TV por chegar nos plantões detonado dos shows. Passei algum tempo bancando as farras da galera com o dinheiro da demissão, e com mais tempo para escrever coisas mais livres, numa linguagem que eu gosto e que estava reprimida. O evento ainda não tinha um release, nada pra imprensa. Peguei algumas expressões que estavam sendo criadas nos shows, criei outras, e veio aquele formato.
Eu estava na casa de uma menina alemã em Boa Viagem. Ela estava assustada, era a época daquelas passeatas do impeachment. Ela via aquelas passeatas lá de cima, era uma cobertura. Eu empolgadíssimo, ela nervosa. E aí eu disse: fica calma que eu vou ficar só escrevendo aqui. E fiquei um dia inteiro, viajando nessa história, a turma lá querendo o impeachment de Collor e eu fazendo o manifesto. Escrevi na munheca mesmo. Mandei pra DJ Dolores, ele fez a diagramação e a gente mandou para algumas pessoas que conhecia nos jornais. Aí alguém colocou na mão de uma pessoa da MTV que estava em Recife.


E você esperava toda a repercussão?
Depois que a MTV fez  a matéria com a gente em Recife,  ficamos com aquela espectativa de que ia ser veiculado. Isso foi em agosto de 1992, logo depois do manifesto. E isso ficou engavetado, toda semana a gente ia ver se tinha alguma coisa. Eu já tinha até desistido, achando que eles tinham reavaliado. Mas eles soltaram  na maior audiência que a emissora tinha conseguido, no intervalo do show do Nirvana. E começou um interesse de uma galera que queria registrar essa cena. O Paulo André [produtor do Abril Pro Rock] teve o insight de criar um evento em Recife que servisse de vitrine pra isso. E aí rolou uma superexposição do primieiro Abril Pro Rock. Foi uma fagulha que deu uma velocidade que a gente não imaginava.


E como esse contexto da época é diferente de hoje?
A indústria era baseada na venda de discos. O elo que viria para subistituir essa receita, o messias da web 2.0, até agora não apareceu. A música perdeu muito do valor simbólico. A musica é só uma porcaria que o sujeito baixa enquanto está fazendo outras coisas na internet. A pessoa vai para um show e não está nem aí, fica tuitando. Isso é uma coisa que os músicos e muitas pessoas demoraram para comecar a perceber. A internet é uma grande ferramenta para democratizar o acesso à informação infinita. O que as pessoas não perceberam no início é que tem um outro lado, o profissional. E pro lado profissional foi trágico.


O último disco tinha sido anunciado há muito tempo. O que causou a demora no lançamento?
A ideia era lançar o disco em 2009, marcando os 25 anos de fundação da banda. Mas nos deparamos com uma realidade muito diferente. Quando estávamos lançando o CD anterior, chegamos a comentar: “É possível que esse seja o nosso último CD físico.” Já naquela época se falava sobre a viabilidade da mídia física. Mas as músicas foram começando a ganhar força, começamos a tocar músicas novas no show, a resposta foi muito boa. Aos poucos o disco foi se impondo, o conceito ficando mais redondo. Chega um momento que não tem como voltar atrás.


E o que acha dessa nova realidade?
Quando surgiu essa coisa da web 2.0, muita gente teve uma postura bem deslumbrada. Como se fosse uma redenção do músico, que finalmente ia ser livre da interferência das gravadoras, ter mais autonomia sobre o trabalho. Nunca acreditei nessa história. Não era só a receita de venda de disco que a gravadora representava. Tinha essa coisa da produção executiva, de proporcionar uma gravação com padrão, cronograma, ter uma estratégia de lançamento. Toda uma coisa que livrava o músico da parte chata da administração, da produção executiva. Você acaba canalizando boa parte da sua energia com algo que não é a sua praia.


Aos 50 anos, você acha que o seu trabalho é visto como referência para as novas gerações?
Temos esse patrimônio acumulado, da nova geração indo aos shows, até ouvindo mais em rádio. Com o desmonte quase absoluto do esquema de jabá, depois da crise da indústria, começamos a tocar mais nas rádios. A minha receita como autor, a parte de execução com rádio e TV, aumentou dez vezes de três anos pra cá.  


Dá pra se sustentar com essa receita?
Se eu fosse solteiro, não tivesse filho, daria pra me manter só com receita de direito autoral, com uma situacão tranquila. Mas esse ano foi uma coisa até surpreendente, pela primeira vez a gente lança um disco e, antes mesmo de chegar na loja, já temos trinta shows marcados. Talvez conte o fato de ter sido uma banda que nunca deu o salto para o mainstream. No mesmo anos a gente tocou no palco principal do Tim Festival, com Strokes, e tava fazendo pub no interior do Rio Grande do Sul. Sempre foi essa banda na fronteira.


Já pensou se tivesse sido diverente, se tivesse tido apoio irrestrito de grande gravadora?
Nunca cheguei a fazer esse tipo de especulação. Na boa, é um jogo. Sempre admirei nos roteiros do Woody Allen a importância do acaso. Sorte é 80%. Se não tiver que rolar, não vai; se tiver, vai. Eu estava lendo na Billboard Brasil a entrevista do Nick Manson, do Pink Floyd, falando que nem se fosse muito louco ia prever o sucesso do Pink Floyd com Dark Side of the Moon. E me lembro que quando estávamos gravando “A Bola do Jogo”, em 1994, o Charles Gavin disse: “Meu irmão, se essa música não bombar em todas as rádios eu nunca mais vou produzir nada” (risos). Mas a gente nunca foi prioridade de gravadora para pagar jabá, então não tocou.   

Mangue, a cena
Trecho do Manifesto Caranguejos Com Cérebro
Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito energético*, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.
Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência.
Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da Manguetown.

Um comentário:

Flávio Renato Ferreira disse...

Muito boa entrevista, só discordo quando ele fala que há um desmanche do Jabá! Acho as rádios cada dia piores neste aspecto, se eles começam a tocar mais em rádio é por uma carreira de mais de 25anos e por conta da explosão que foi o manguebeat, mas quero ver artista independente em primeiro disco tocar, pode ser o melhor disco do mundo, porém se tiver grana qualquer porcaria toca e o locutor ainda passa 10minutos elogiando.

Valeu!

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