#CADÊ MEU CHINELO?

quinta-feira, 16 de abril de 2009

SIRVAM NOSSAS GISELES BÜNDCHEN



# manda chuva #

De modelo a toda terra

txt: Tiago Jucá Oliveira



Abordar a cultura gaúcha nem sempre é fácil. Por vários motivos. Boa parcela da sociedade local traz a tona o cidadão orgulhoso da terra, cultivador das tradições, bem letrado e politizado. E dentro dessa parcela há aqueles que acreditam cegamente que aqui é o melhor estado do Brasil. Alguns inclusive idealizam uma pátria independente. Outro dia recebi um e-mail no qual um gaúcho, "dusbom", provava o dito. O Rio Grande do Sul é "bagual" pois aqui nasceram o melhor técnico do mundo (Felipão), a melhor ginasta (Daine dos Santos), a modelo mais bonita e famosa (Gisele Bündchen), o melhor jogador de futebol (Ronaldinho, o Gaúcho, óbvio), seis presidentes da República, o atual técnico da seleção brasileira (Dunga), enfim, uma lista enorme de conquistas do povo rio-grandense. Claro, ele não sabia que quase todos ex-presidentes não foram eleitos pelo voto, nem que o melhor jogador do mundo é um outro Ronaldo, o português. Já o Dunga ...

Na metade do século passado nascia o gaúcho. Não o homem e sua cultura. E sim o mito, a lenda. Numa verdadeira "invenção das tradições", como já bem escreveu Eric Hobasbawm em seu livro de mesmo nome, estava criado a partir de então o gaúcho. E com ele todo um acessório folclórico, cultural e gastronômico que o imortalizava. Claro, tendo como pano de fundo a vergonhosa Guerra dos Farrapos como a grande façanha do nosso povo, embora tenha sido movida por interesses comerciais da elite estancieira da metade sul do estado. E meio século depois toda a invenção estava montada em Centros de Tradições Gaúchas, espalhadas por todas cidades do RS. Conservador, o CTG nunca aceitou misturar coco gelado no chimarrão, numa paródia ao "Chiclete com Banana", de Gordurinha e bem incorporada por Jackson do Pandeiro. Ou seja, ali se cultiva uma parte do tempo, pois o de antes foi sintetizado a partir da imaginação de alguns, e o de depois era um desrespeito ao tradicional.

Esse desserviço que o CTG faz a nós é de um estrago sem igual. Excluíram o passado e a diversidade cultural de variados povos, e hoje não dialogam com as novidades externas e modernas. Por externa entenda-se também os negros, alemães e índios do RS. Irton Marx, o mobilizador do movimento separatista, não é bem aceito pelo CTG, e vice-versa. Persona non grata por ser de origem alemã e não trazer a identidade pampeana na face, Marx também não tem razões para querer "bugres", mestiços, em defesa da superioridade branca em relação a outros mestiços, que são a cara do país do qual quer se separar. Mas a culpa não cabe somente aos tradicionalistas e separatistas. A forte e onipresente mídia da capital é incentivadora de alguns ícones da cultura urbana porto-alegrense. E de modo constante induz seus preferidos. E da-lhe Tangos e Tragédias, Bailei na Curva, Luis Fernando Verissimo, Reação em Cadeia, Paulo Santana, José Fogaça, Nenhum de Nós. Mas, e nós?

Bem, nós também existimos. Não somos os melhores, não queremos deixar de ser brasileiros, não vestimos bombacha (em castelhano bombacha quer dizer calcinha), nem estamos no Jornal do Almoço. Há muita coisa legal sendo feita aqui no estado, e alguns espaços marginais para divulgar e ser visto. Boas bandas locais não tiveram vergonha de pesquisar nosso verdadeiro folclore - não no CTG, mas em quilombolas, por exemplo - e recria-lo vivamente. Como o Serrote Preto, Richard Serraria e a Bataclã FC, que viram no sopapo, um tambor de origem escrava, um instrumento que os torna originais e genuínos.

Este é o Rio Grande às margens do Guaíba: a rica e diversa confusão étnica que aqui se cruzou - de negros a japoneses, passando por guaranis, polacos e vênetos - não pode ser ignorada em nome do fantasioso gaúcho dos pampas. Mas, de modo algum, será dado a entender que nossas riquezas culturais sejam melhores em relação a qualquer outra. É apenas uma iniciativa de mostrar e provar que podemos ser diferentes do modelo padrão, sem querer ser melhor ou verdadeiro ou definitivo. E sem excluir qualquer tentativa de mesclar culturas, seja ele tradicional ou moderno, uruguaio ou brasileiro. Creio que deu pra notar a intenção. Não espere vibração minha se um dia a Gisele Bündchen desfilar dentro de uma mini-blusa com uma bandeira do Rio Grande do Sul estampada no peito e logo acima a frase mais famosa de nosso hino: "sirvam nossas façanhas de top-model a toda Terra".

3 comentários:

Paulo Ricardo Suliani disse...

Bah cara, tem um livro do José Hildebrando Dacanal exatamente sobre esse tema. Se eu lembrar do título te aviso. Se eu tiver, te empresto. Tenho de verificar. Tu vai gostar. Deu até um ziriguidum na época da publicação, com um monte de "gaucho de CTG" se revoltando.

Tiago Jucá disse...

logic !

Balaio The Gato disse...

Pois é...conhecí várias pessoas de outros estados e conviví 2 anos com uma.Tem coisas ridículas no bairrismo de algumas pessoas,pra citar um exemplo: simplesmente pq no estado dela(MS) se come churrasco com mandioca cozida,se recusava a comer rúcula com curras aqui em SP,ou riu quando viu que comemos pastel com vinagrete,ou mesmo quando eu disse que só tomaria o tal do tereré(mate com água gelada) se colocasse açúcar...sou brasiliense,com ascêndencia mineira,cearense,até gaúcha,ou seja.sou brasileiro...e mês que vem vou conhecer Porto Alegre...

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